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Estética - OUSE SABER!

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112 Michel Foucault - Ditos c Escritos<br />

cobre (como se ela fosse dela o duplo, talvez o simulacro) a teo-<br />

fania resplandecente dos deuses gregos. Entre o Bode ignóbil<br />

que se mostra no Sabbat e a deusa virgem que se esconde no<br />

frescor da água, o jogo é invertido: no banho de Diana, o simu-<br />

lacro se dá na fuga da extrema proxim idade e não na irrupção<br />

insistente do outro mundo; mas a dúvida é a mesma, assim<br />

como o risco da duplicação: “Diana pactua com um demônio<br />

intermediário entre os deuses e os hom ens para se manifestar a<br />

Acteão. Com seu corpo etéreo, o Dem ônio sim ula Diana em sua<br />

teofania e inspira em Acteão o desejo e a insensata esperança de<br />

possuir a deusa. Ele se torna a imaginação e o espelho de Diana.”<br />

E a última metamorfose de Acteão não o transforma em<br />

um cervo dilacerado, mas em um bode im puro, frenético e deliciosamente<br />

profanador. Como se, na cumplicidade do divino<br />

com o sacrílego, qualquer coisa da luz grega sulcasse em um<br />

clarão o fundo da noite cristã.<br />

Klossowski está situado no cruzamento de dois caminhos<br />

bastante afastados e no entanto bem semelhantes, vindo todos<br />

os dois do Mesmo, e ambos talvez indo para lá: o dos teólogos e<br />

o dos deuses gregos, dos quais Nietzsche logo anunciava o cintilante<br />

retorno. Retorno dos deuses que é também, e sem dissociação<br />

possível, insinuação do Dem ônio na tepidez turva da noite:<br />

“Que diria você se um dia, se uma noite, um dem ônio se insinuasse<br />

na sua mais recôndita solidão e lhe dissesse: ‘Esta vida tal<br />

como você a vive agora e tal como a tem vivido, você deverá vivê-la<br />

ainda uma vez e inúmeras vezes; e nela não haverá nada<br />

de novo, a não ser cada dor e cada prazer, cada pensamento e<br />

cada gemido e tudo o que há de indizivelm ente pequeno e grande<br />

em sua vida deverá retornar para você e o tudo na mesma ordem<br />

e na mesma sucessão - aquela aranha igualmente, este<br />

instante teu. A eterna ampulheta da existência não cessa de ser<br />

invertida de novo e você com ela, ó grão de poeira da poeira.'<br />

Você não se jogaria sobre o solo rangendo os dentes, maldizendo<br />

o demônio que lhe fala dessa maneira? Ou bem lhe ocorreria<br />

viver um instante formidável em que você teria podido lhe<br />

responder: Você é um deus e jamais ouvi coisas mais divinas."’<br />

1. (N.A.) Grifei demônio, eu e deu s. Este texto é citado em Un si Juneste déstr.<br />

compilação fundamenta] que contém páginas de uma grande profundidade sobre<br />

Nietzsche e permite toda uma releitura de Klossowski. (Sur quelques thèmes<br />

Jondamentaux de la “Gaya Scienza" de Nietzsche, in Un si Juneste désir.<br />

Paris, Gallimard, “Collection Blanche”, 1963, ps. 21-22 (N.E).)

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