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Estética - OUSE SABER!

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1962 - Dizer e Ver em Raymond Roussel 11<br />

guagem - seu artifício maravilhosamente aberto a morte serve<br />

como mediadora e como limite. Como limiar: ela separa por<br />

uma distância infinitesimal o acontecimento e sua repetição<br />

quase idêntica, fazendo-os comunicar em uma vida tão paradoxal<br />

quanto a das árvores de Fogar, cujo crescimento é o desencadeamento<br />

daquilo que está morto; da mesma maneira ela separou,<br />

na linguagem de Roussel, a narrativa e o invisível procedimento,<br />

fazendo-os viver, uma vez Roussel desaparecido, uma<br />

vida enigmática. Nesse sentido, o último texto poderia ser apenas<br />

uma maneira de recolocar toda a obra no cristal d água cintilante<br />

onde Canterel havia mergulhado a cabeça escoriada de<br />

Danton para que ela repita sem cessar seus discursos sob as<br />

garras de um gato despelado, aquático e eletrizado.<br />

Entre esses quatro pontos cardeais que a morte domina e esquarteja<br />

como uma grande aranha, a linguagem tece sua precária<br />

superfície, a fina rede onde se cruzam os ritos e os sentidos.<br />

E talvez La d o u b lu re, texto escrito durante a primeira grande<br />

crise, em "uma sensação de glória universal de uma intensidade<br />

extraordinária”, dê, na medida mesmo em que ela é sem<br />

método, a imagem mais exata do Segredo: as máscaras do carnaval<br />

de Nice se mostram, escondendo; mas sob este papelão<br />

multicolorido, com as grandes cabeças vermelhas e azuis, os<br />

gorros, as cabeleiras, na abertura imóvel dos lábios ou na<br />

amêndoa cega dos olhos, uma noite ameaça. O que sc vê só e<br />

visto sob a forma de um signo desmesurado que designa, mas-<br />

carando-o, o vazio sobre o qual o lançamos. A máscara é oca e<br />

mascara esse oco. Tal é a situação frágil e privilegiada da linguagem:<br />

a palavra adquire seu volume ambíguo no interstício<br />

da máscara, denunciando o duplo irrisório e ritual da cara de<br />

papelão e a negra presença de uma lace inacessível. Seu lugar é<br />

esse intransponível vazio - espaço flutuante, ausência de solo,<br />

'mar incrédulo" - onde, entre o ser oculto c a aparência desarmada.<br />

a morte surge, mas onde. aliás, dizer tem o poder maravilhoso<br />

de dar a ver. É aí que se cumprem o nascimento e a per-<br />

diçáo da linguagem, sua habilidade em mascarar e conduzir a<br />

morte em uma dança de papelão multicolorido.<br />

Toda a linguagem de Roussel - e não apenas seu texto derradeiro<br />

- é "póstuma e secreta". Secreta já que, sem nada esconder.<br />

ela c o conjunto escondido de todas as suas possibilidades,<br />

de todas as suas formas que se esboçam e desaparecem em sua<br />

transparência, como os personagens esculpidos por Fuxier nos

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