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Estética - OUSE SABER!

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1 9 6 4 - A Prosa de Acteão 1 1 9<br />

le que morreu e ressuscitou), o aficionado por espetáculos estereoscópicos,<br />

o quiroprático (que molda e massageia o corpo),<br />

K. (que rouba as obras e talvez a mulher dos outros, a menos<br />

que ele ofereça a sua) ou Théodore Lacase (que põe Roberte em<br />

movimento)? Ou o marido de Roberte? Imensa genealogia que<br />

vai do Todo-Poderoso àquele que é crucificado no simulacro<br />

que ele é (pois ele, que é K., diz “eu” quando fala Théodore).<br />

Mas, na outra extremidade, Roberte também é a grande operadora<br />

dos simulacros. Sem descanso, com suas mãos, suas longas<br />

e belas mãos, ela acaricia om bros e cabeleiras, desperta desejos,<br />

evoca antigos amantes, desam arra um corpete de lantejoulas<br />

ou um uniforme do Exército da Salvação, se entrega a<br />

soldados ou im plora pelas m isérias ocultas. É ela, sem dúvida,<br />

quem difrata seu m arido em todos os personagens monstruosos<br />

ou lamentáveis em que ele se dispersa. Ela é legião. Não a<br />

que sempre diz não. Mas aquela, oposta, que diz sim sem parar.<br />

Um sim fendido que faz nascer este espaço do entremeio<br />

onde cada um está ao lado de si. Não digamos Roberte-o-Diabo<br />

e Théodore-Deus. Mas digamos, antes, que um é o simulacro de<br />

Deus (o mesmo que Deus, portanto, o Diabo) e que o outro é o<br />

simulacro de Satanás (o m esm o que o Maligno, portanto,<br />

Deus). Mas um é o Inquisidor Esbofeteado (irrisório investigador<br />

de signos, intérprete obstinado e sem pre desiludido: pois<br />

não há signos, mas unicamente sim ulacros), e o outro é a Santa<br />

Feiticeira (sempre de partida para um Sabbat, onde seu desejo<br />

invoca os seres em vão, pois não há jam ais homens, mas apenas<br />

simulacros). É da natureza dos sim ulacros nâo sofrer nem<br />

a exegese que crê nos signos nem a virtude que ama os seres.<br />

Os católicos escrutam os signos. Os calvinistas não lhes dão<br />

o menor crédito, porque só acreditam na eleição das almas.<br />

Mas, se nós não fôssem os signos nem almas, mas sim plesm ente<br />

os mesmos que nós m esm os (nem fios visíveis de nossas<br />

obras nem predestinados) e por isso esquartejados na sua distância<br />

do simulacro? Pois bem, os signos e o destino dos homens<br />

não teriam mais pátria comum; o édito de Nantes teria<br />

sido revogado; estaríam os daí em diante no vazio deixado pela<br />

divisão da teologia cristã11; nessa terra deserta (ou talvez rica<br />

11 (N.A.) Quando Roberte calvinista viola, para salvar um homem, um tabernáculo<br />

onde não se esconde para ela a presença real. ela é bruscamente agarrada, no<br />

ineio deste templo minúsculo, por duas mãos que sào as suas mesmas: no vazio<br />

do signo e da obra triunfa o simulacro de Roberte desdobrada.

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