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Estética - OUSE SABER!

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258 Michel Foucault - Ditos e Escritos<br />

ora, esses blocos, empilhados em desordem uns sobre os outros,<br />

formam em sua base um conjunto de letras em que é fácil<br />

decifrar a palavra SONHO, como se todas aquelas palavras frágeis<br />

e sem peso tivessem recebido o poder de organizar o caos<br />

das pedras. Ou como se, pelo contrário, por trás da tagarelice<br />

despertada mas logo perdida dos homens, as coisas pudessem,<br />

em seu mutismo e seu sono, compor uma palavra - uma palavra<br />

estável que nada poderá apagar; ora, essa palavra designa as<br />

mais fugidias das imagens. Mas isso não é tudo: pois é no sonho<br />

que os homens, enfim reduzidos ao silêncio, comunicam com a<br />

significação das coisas, e deixam-se penetrar por essas palavras<br />

enigmáticas, insistentes, que vêm de outro lugar. Isto não é um<br />

cachimbo era a incisão do discurso na forma das coisas, era seu<br />

poder ambíguo de negar e de desdobrar; L ’art de la conversa-<br />

tion é a gravitação autônoma das coisas que formam suas próprias<br />

palavras na indiferença dos homens, e as impõem, sem<br />

que eles nem mesmo o saibam, em sua tagarelice cotidiana.<br />

Entre esses dois extremos, a obra de Magritte exibe o jogo<br />

das palavras e das imagens. O rosto de um homem absolutamente<br />

sério, sem um movimento de lábios, sem um franzido de<br />

olhos, voa em “estilhaços" sob o efeito de um riso que não é o<br />

seu, que ninguém ouve, e que não vem de nenhum lugar. A “noite<br />

que cai” não pode cair sem quebrar uma vidraça cujos fragmentos,<br />

também portadores, sobre suas lâminas cortantes, sobre<br />

suas flâmulas de vidro, de reflexos do sol, juncam o assoalho<br />

e o parapeito da janela: as palavras que chamam de “queda”<br />

a desaparição do sol arrastaram, com a imagem que elas formam,<br />

não somente a vidraça, mas aquele outro sol que se delineou<br />

como um duplo sob a superfície transparente e lisa. Como<br />

um badalo em um sino, a chave se mantém na vertical “no buraco<br />

da fechadura”: ela faz soar ali a expressão familiar até se tornar<br />

absurda. Ouçamos, além disso, Magritte: “É possível criar<br />

novas relações entre as palavras e os objetos e especificar algumas<br />

características da linguagem e dos objetos, geralmente ignorados<br />

na vida cotidiana.” Ou ainda: "Talvez o nome de um<br />

objeto substitua uma imagem. Uma palavra pode tomar o lugar<br />

de um objeto na realidade. Uma imagem pode tomar o lugar de<br />

uma palavra em uma proposição.” E isso não constitui absolutamente<br />

contradição, mas se refere simultaneamente à rede<br />

inextricável das imagens e das palavras, e à ausência de lugar-comum<br />

que possa sustentá-las: “Em um quadro, as pala­

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