14.04.2013 Views

Estética - OUSE SABER!

Estética - OUSE SABER!

Estética - OUSE SABER!

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

1975 - Sobre Marguerite Duras 363<br />

mo, por fim, certamente, com o “sofrimento”. Há uma graça da<br />

dor, graça do sofrimento, graça da morte. Graça, como você<br />

sabe, no sentido de qualquer coisa de estranho, de vivo, de ina-<br />

preensível. “É engraçado”, inquietante.<br />

H. Cixous-. É sua sensibilidade que sente isso, eu o sinto<br />

como horror. Talvez seja porque eu me sinta profundamente<br />

ameaçada pelos textos de Marguerite Duras. “Não quero isso”,<br />

penso. Não quero que haja pessoas assim. Para mim, o que é<br />

marcante neles é a impotência. Uma impotência que não é resgatada<br />

- embora não se trate de resgate - que só se tornou pessoalmente*<br />

tolerável para mim porque ela é humilde, porque ao<br />

mesmo tempo ela exibe uma extraordinária quantidade de<br />

amor. É isso que é belo.<br />

Há pouco, você dizia: a palavra “troca” não é boa, é verdade.<br />

Porque, na pobreza da língua, eles também se tocam. Quem?<br />

Eles? Esses seres humanos, esses errantes que, através de uma<br />

terra muito vasta, se tocam. Acariciam-se, roçam-se. É desconcertante.<br />

O que aprecio nela é que essa relação de tato existe o<br />

tempo todo.<br />

Eis o que vejo em índia Song. Anne-Marie Stretter, acho que<br />

me lembro que tocava piano quando jovem, enfim, que amava a<br />

música. Depois abandonou a música e ao mesmo tempo ela é<br />

envolvida por esses homens, não sei quantos. Enfim, eles são<br />

muitos. E todos se precipitam sobre ela que não é um precipício<br />

mortal, porque ela não deseja mal, porque ela não abusa. E,<br />

ao mesmo tempo, sem chamar, ela chama, porque ela é justamente<br />

aquela que renunciou a tudo, enquanto eles ainda não<br />

renunciaram a tudo porque eles desejam: ela, eles dependem<br />

dela e ela não depende de nada. E, através dela, eles tocam o<br />

nada. O que quero dizer, o que acontece, o que se passa e o que<br />

isso significa é que ela é alguém que não fa z mais música, ou<br />

seja, que não dá mais a ela mesma o que a música oferece, que<br />

não se dá mais o prazer da música, que não se dá mais o prazer<br />

da voz. Ela silenciou e, porque ela silenciou, é alguém que consegue<br />

escutar os outros. Há nela espaço, a abertura que faz com<br />

que ela possa ouvir os o\itros, ora se calar, ora berrar, como o<br />

vice-cônsul que berra. Há os que berram, e há os que não dizem<br />

nada. Ela ouve a fala, ouve o desejo dos outros, o infortúnio dos<br />

outros. É essa, finalmente, sua força de amor.<br />

Ela tem uma escuta (evidentemente, não a escuta da psicanálise,<br />

não a escuta que se fecha, que remete a você e você se escu-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!