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Estética - OUSE SABER!

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394 Michel Foucault - Ditos e Escritos<br />

M. Foucault: Tenho a impressáo de que muitos dos elementos<br />

destinados a dar acesso à música acabam empobrecendo a<br />

relação que se tem com ela. Há um mecanismo quantitativo em<br />

jogo. Uma certa eventualidade na relação com a música poderia<br />

preservar uma disponibilidade de escuta, e uma flexibilidade<br />

da audição. Mas, quanto mais essa relação é freqüente (rádio,<br />

discos, cassetes), mais familiaridades se criam; hábitos se cristalizam;<br />

o mais freqüente se torna o mais aceitável, e rapidamente<br />

o único admissível. Produz-se uma "facilitação", como<br />

diriam os neurologistas.<br />

Evidentemente, as leis do mercado acabam por se aplicar facilmente<br />

a esse mecanismo simples. O que se põe à disposição<br />

do público é o que ele escuta. E o que de fato ele acaba escutando,<br />

porque é o que lhe é proposto, reforça um certo gosto, estabelece<br />

os limites de uma capacidade bem-definida de audição,<br />

delimita cada vez mais um esquema de escuta. Será necessário<br />

satisfazer essa expectativa etc. Assim, a produção comercial, a<br />

crítica, os concertos, tudo o que aumenta o contato do público<br />

com a música tende a tornar mais difícil a percepção do novo.<br />

Certamente, o processo não é unívoco. E também é verdade<br />

que a familiaridade crescente com a música amplia a capacidade<br />

de escuta e dá acesso a diferenciações possíveis, mas esse fenômeno<br />

tende a se produzir somente à margem; em todo caso,<br />

ele pode permanecer secundário em relação ao grande reforço<br />

do adquirido, se não houver um esforço para vencer as familiaridades.<br />

Não defendo, e isso é evidente, uma rarefação da relação<br />

com a música, mas é preciso compreender que o dia-a-dia dessa<br />

relação, com todas as injunções econômicas que a ela estão<br />

associadas, pode ter esse efeito paradoxal de enrijecer a tradição.<br />

Não é preciso dar acesso à música mais rara, mas a uma<br />

convivência com ela menos determinada pelos hábitos e familiaridades.<br />

P. Boulez: É preciso observar não somente uma polarização<br />

em relação ao passado, mas uma polarização sobre o passado<br />

no passado, no que diz respeito ao intérprete. E é assim que<br />

certamente se atinge o êxtase, ouvindo a interpretação de tal<br />

obra clássica por um intérprete desaparecido há decênios; mas<br />

o êxtase atingirá ápices orgásticos quando for possível se referir<br />

à interpretação de 20 de julho de 1947 ou de 30 de dezembro<br />

de 1938. É possível ver se delinear uma pseudocultura do do­

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