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Estética - OUSE SABER!

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384 Michel Foucault - Ditos e Escritos<br />

*<br />

Encontrou-se nesse Ring uma tensão própria às encenações<br />

de Chéreau: uma lógica infalível nas relações entre os personagens,<br />

uma inteligibilidade de todos os elementos do texto, um<br />

sentido particular dado a cada momento e a cada gesto, em resumo,<br />

uma total ausência de gratuidade; e uma incerteza deliberada<br />

a propósito dos tempos e dos lugares, uma dispersão<br />

extrema dos elementos de realidade. A moças do Rhin são<br />

prostitutas que arregaçam a saia ao pé de uma barreira. Mime,<br />

um judeuzinho velho de óculos, remexe em suas gavetas para<br />

nelas encontrar a espada sagrada embrulhada em papel de jornal.<br />

Os deuses giram em círculo, umas vezes como príncipes no<br />

exílio de um melancólico século XVIII, outras vezes como uma<br />

família de empresários ameaçada de bancarrota após muitas<br />

malversações. A Walquíria usa um capacete, mas Siegfried se<br />

casará de smoking.<br />

O mesmo ocorre com os cenários de Peduzzi: grandes arquiteturas<br />

imóveis, rochedos eretos como eternas ruínas, rodas gigantes<br />

que nada poderia fazer girar. Mas as rodas estão localizadas<br />

no meio das florestas, duas cabeças de anjinhos estão esculpidas<br />

no rochedo, e um capitel dórico, imperturbável, se encontra<br />

sobre aqueles muros do Walhalla, mais acima do leito de<br />

fogo da Walquíria, ou no palácio dos Gibichungen, ao qual ele<br />

dá ora o aspecto de um porto no crepúsculo, pintado por Clau-<br />

de Lorrain, ora o estilo dos palácios neoclássicos da burguesia<br />

wilhelminiana.<br />

Não que Chéreau e Peduzzi tenham querido especular, à maneira<br />

de Brecht, sobre as diferentes referências cronológicas (a<br />

época a que a peça se refere, aquela em que ela foi escrita, em<br />

que ela foi encenada). Eles se propuseram, também, a levar<br />

Wagner a sério, mesmo que tivessem de mostrar o avesso do<br />

seu projeto. Teria Wagner desejado dar ao século XIX uma mitologia?<br />

Que seja assim. Ele a buscava nos fragmentos livremente<br />

alinhados das lendas indo-européias? Que também seja.<br />

Ele queria assim restituir à sua época o imaginário que lhe faltava?<br />

É aí que Chéreau diz não. Porque o século XIX era cheio<br />

de imagens, que constituíram a verdadeira razão de ser dessas<br />

grandes reconstituições mitológicas que as metamorfoseavam e<br />

as escondiam. Chéreau não quis transportar o bazar da mitologia<br />

wagneriana para o céu dos mitos eternos; nem reduzi-la a

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