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Estética - OUSE SABER!

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70 Mieliel Foucault - Ditos c Escritos<br />

pior: um primeiro enunciado absolutamente inicial dos rostos<br />

e linhas nunca é possível, não mais do que essa vinda primitiva<br />

das coisas que a literatura às vezes se im pôs como tarefa acolher,<br />

em nome ou sob o signo de uma fenomenologia desorientada.<br />

A linguagem da ficção se insere em uma linguagem já dita,<br />

em um murmúrio que nunca começou. A virgindade do olhar, a<br />

marcha atenta que eleva as palavras à m edida das coisas descobertas<br />

e contornadas, não lhe importa; mas antes a usura e o<br />

afastamento, a palidez do que já foi pronunciado. Nada é dito<br />

na aurora (Le pare começa em uma noite: e de manhã, uma outra<br />

manhã, ele recomeça); o que deveria ser dito pela primeira<br />

vez não é nada, não é dito, ronda nos confins das palavras, nestas<br />

falhas de papel branco que esculpem e vazam (abrem para o<br />

dia) os poemas de Pleynet. Há, entretanto, nessa linguagem da<br />

ficção um instante de origem pura: é o da escrita, o momento<br />

das próprias palavras, da tinta mal seca, o m om ento em que se<br />

esboça aquilo que por definição e em seu ser mais material só<br />

pode ser traço (signo, em uma distância, para o anterior e o<br />

posterior):<br />

Como escrevo (a qu i) sobre esta p á g in a d e linhas desiguais<br />

justificando a prosa (a p o e sia )<br />

as palavras designam p a la vra s e r e m e te m u m a s à s outras<br />

o que vocês ou vem .10<br />

{C om m efécris (ici) sur cette p a g e a u x lignes inégales<br />

justifiant la prose (la p o é sie)<br />

les mots désignent des mots et se renvoient les uns aux autres<br />

ce que vous en tendez.)<br />

Por várias vezes, Le pare invoca esse gesto paciente que preenche<br />

com uma tinta azul-escuro as páginas do caderno de capa<br />

laranja. Mas esse gesto, ele próprio só é apresentado, em sua<br />

atualidade precisa, absoluta, no último mom ento: apenas as últimas<br />

linhas do livro o trazem e o encontram. Tudo o que foi<br />

dito anteriormente e por essa escrita (a própria narrativa) é remetido<br />

a uma ordem comandada por este minuto, este segundo<br />

atual; termina nessa origem que é o único presente e também o<br />

fim (o momento de se calar); concentra-se inteiramente nela;<br />

mas também é, em seu desenvolvimento e percurso, sustenta­<br />

10. (N.A.) Pleynet (M.). "Grammaire I” , Tel quel, 11- 14, verão de 1963, p. 11.

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