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Estética - OUSE SABER!

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1966 - Por T rás da Fábula 211<br />

des da língua; sua ficção, no interior das possibilidades do ato<br />

da palavra.<br />

Nenhuma época utilizou simultaneamente todos os modos<br />

de ficção que se podem definir no abstrato; deles se exclui sempre<br />

alguns que são tratados como parasitas; outros, em compensação,<br />

são privilegiados e definem uma norma. O discurso<br />

do autor, interrom pendo sua narrativa e levantando os olhos de<br />

seu texto para recorrer ao leitor, convocá-lo como juiz ou testemunha<br />

do que se passa, era freqüente no século XVIII; quase<br />

desapareceu no curso do último século. Em contrapartida, o<br />

discurso ligado ao ato de escrever, contemporâneo ao seu desenvolvimento<br />

e nele encerrado, fez sua aparição há menos de<br />

um século. Talvez ele tenha exercido uma tirania exagerada, banindo<br />

sob a acusação de ingenuidade, de artifício ou de realismo<br />

tosco qualquer ficção que não tivesse seu lugar no discurso<br />

de um sujeito único, e no próprio gesto de sua escrita.<br />

Depois que novos m odos da ficção foram admitidos na obra<br />

literária (linguagem neutra falando sozinha e sem lugar, em um<br />

murmúrio ininterrupto, palavras estranhas irrompendo do exterior,<br />

marchetaria de discurso, cada um tendo um modo diferente),<br />

torna-se novamente possível ler. de acordo com sua arquitetura<br />

própria, textos que, povoados de "discursos parasitas”,<br />

teriam sido por isso mesmo expulsos da literatura.<br />

*<br />

As narrativas de Júlio Verne estão maravilhosamente cheias<br />

dessas descontinuidades no m odo da ficção. A relação estabelecida<br />

entre narrador, discurso e fábula incessantemente se desfaz<br />

e se reconstitui conform e um novo desenho. O texto que<br />

narra a cada instante se rompe; muda de signo, inverte-se.<br />

toma distância, vem de um outro lugar e como que de uma outra<br />

voz. Vozerios, surgidos não se sabe de onde. se introduzem,<br />

fazem calar aqueles que os precediam, sustentam por momentos<br />

seus próprios discursos e depois, subitamente, cedem a palavra<br />

a outros rostos anônimos, silhuetas cinzentas. Organização<br />

totalmente contrária à das M U e um a noites: ali, cada narrativa,<br />

mesmo quando relatada por um terceiro, é feita - ficticiamente<br />

- por aquele que viveu a história: a cada fábula sua voz, a<br />

cada voz uma nova fábula; toda a "ficção" consiste no movimento<br />

pelo qual um personagem se desloca da fábula à qual ele per­

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