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Estética - OUSE SABER!

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1983 - Michel Foucault/Pierre Boulez - A Música Contemporânea e o Público 397<br />

siasmo por gerações que de forma alguma se consideram conservadoras.<br />

Um paradoxo do nosso tempo é o fato de o protesto<br />

encenado ou cantado se transmitir por meio de um vocabulário<br />

eminentemente recuperável, o que não deixa de se produzir; o<br />

sucesso comercial esvazia o protesto.<br />

JVÍ. Foucault: E nesse ponto talvez haja uma evolução divergente<br />

da música e da pintura no século XX. A pintura, desde<br />

Cézanne, tendeu a tornar evidente o próprio ato de pintar; este<br />

se tornou visível, insistente, definitivamente presente no quadro,<br />

seja pelo uso de signos elementares, seja pelos traços de<br />

sua própria dinâmica. A música contemporânea, em compensação,<br />

só oferece à escuta a face externa de sua escrita.<br />

Daí decorre alguma coisa difícil, imperiosa, na escuta dessa<br />

música. Daí o fato de que cada audição se mostre como um<br />

acontecimento a que o ouvinte assiste, e que deve aceitar. Não<br />

há marcas que lhe permitam esperá-lo e reconhecê-lo. Ele a<br />

ouve se produzir. É um modo de atenção muito difícil, e que<br />

está em contradição com as familiaridades urdidas pela escuta<br />

repetida da música clássica.<br />

A insularidade cultural da música atual não é simplesmente<br />

conseqüência de uma pedagogia ou de uma informação deficiente.<br />

Seria muito fácil se lamentar a respeito dos conservadores<br />

ou se queixar das produtoras de discos. A coisas são mais<br />

sérias. Essa situação singular, a música contemporânea deve à<br />

própria escrita. Nesse sentido, ela é deliberada. Não é uma música<br />

que buscaria ser familiar; ela é feita para manter sua contundência.<br />

Pode-se certamente repeti-la; ela não se reitera. Nesse<br />

sentido, não se pode retornar a ela como a um objeto. Ela<br />

sempre irrompe nas fronteiras.<br />

P. Boulez: Já que ela se pretende assim em perpétua situação<br />

de descoberta - novos domínios da sensibilidade, experimentação<br />

de novos materiais -, a música contemporânea está<br />

condenada a permanecer um Kamtchatka (Baudelaire, Sainte-<br />

Beuve, você se lembra?) reservado à curiosidade intrépida de<br />

raros exploradores? É notável que os mais reticentes ouvintes<br />

sejam aqueles que adquiriram sua cultura musical exclusivamente<br />

nas revistas do passado, de um certo passado, e que se<br />

mostrem mais abertos - apenas porque mais ignorantes? - os<br />

ouvintes que têm um profundo interesse por outros meios de<br />

expressão: particularmente as artes plásticas. Os "estrangeiros”<br />

mais receptivos? Perigosa adesão que tenderia a provar

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