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Estética - OUSE SABER!

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1 96 Michel Kovu aull - Ditos e Escritos<br />

cndem, olhares diretos que, se cruzando, se sobrepõem. E, no<br />

entanto, essa tênue linha de visibilidade em contrapartida envolve<br />

toda uma complexa trama de incertezas, trocas e esquivas.<br />

O pintor so dirige os olhos para nós na m edida em que nos<br />

encontramos no lugar do seu motivo. Nós, espectadores, estamos<br />

a mais. Acolhidos por esse olhar, somos caçados por ele,<br />

substituídos pelo que esteve o tempo todo diante de nós: pelo<br />

próprio modelo. Mas, inversamente, o olhar do pintor, dirigido<br />

fora do quadro ao vazio que tem diante de si, aceita tantos modelos<br />

quantos espectadores lhe chegam; nesse lugar preciso,<br />

mas indiferente, aquele que olha e o olhado se permutam sem<br />

cessar. Nenhum olhar é estável, ou melhor, no sulco neutro do<br />

olhar que atravessa a tela na perpendicular, o sujeito e o objeto,<br />

o espectador e o modelo invertem seu papel infinitamente. E a<br />

grande tela virada na extrema esquerda do quadro exerce ali<br />

sua segunda função: obstinadamente invisível, ela impede que<br />

jamais seja observável nem definitivamente estabelecida a relação<br />

dos olhares. A fixidez opaca que ela faz reinar de um lado<br />

torna para sempre instável o jogo das m etam orfoses que, no<br />

centro, se estabelece entre o espectador e o modelo. Porque vemos<br />

apenas este avesso, não sabemos quem som os nem o que<br />

fazemos. Vistos ou videntes? O pintor fixa atualmente um lugar<br />

que, de instante em instante, não pára de trocar de conteúdo,<br />

de forma, de rosto, de identidade. Mas a im obilidade atenta dos<br />

seus olhos remete a uma outra direção que eles muitas vezes já<br />

seguiram e que cedo, sem dúvida, vão retomar: a da tela imóvel<br />

sobre a qual se traça, é traçado talvez há muito tempo e para<br />

sempre um retrato que nunca mais se apagará. Em bora o olhar<br />

soberano do pintor comande um triângulo virtual que define<br />

em sua essência este quadro de um quadro: no vértice - único<br />

ponto visível os olhos do artista; na base, de um lado, o lugar<br />

invisível do modelo; do outro, a imagem provavelm ente esboçada<br />

sobre a tela virada.<br />

No momento em que eles colocam o espectador no campo do<br />

seu olhar, os olhos do pintor o apreendem, obrigam -no a entrar<br />

no quadro, designam-lhe um lugar ao m esm o tem po privilegiado<br />

e obrigatório, retiram dele sua luminosa e visível natureza, e<br />

projetam-na sobre a superfície inacessível da tela virada. Ele vê<br />

sua invisibilidade tornada visível para o pintor e transposta em<br />

uma imagem definitivamente invisível para ele mesmo. Surpresa<br />

que é multiplicada e tornada mais inevitável ainda por uma

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