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Estética - OUSE SABER!

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1966 - Um Nadador entre Duas Palavras 245<br />

mundo. Mas talvez haja uma escrita tão radical e soberana que<br />

chegue a enfrentar o mundo, a equilibrá-lo, a compensá-lo, até<br />

mesmo a destruí-lo inteiramente e a cintilar fora dele. Na verdade,<br />

essa experiência começa a aparecer muito claramente em<br />

Ecce homo1 e em Mallarmé. Essa experiência do livro como an-<br />

timundo é reencontrada em Breton e contribuiu substancialmente<br />

para modificar o estatuto da escrita. E isso de duas maneiras.<br />

Inicialmente, Breton, de qualquer forma, remoralizava<br />

a escrita desmoralizando-a inteiramente. A ética da escrita não<br />

vem mais do que se tem para dizer, das idéias que são expressas,<br />

mas do próprio ato de escrever. Nesse ato bruto e nu, toda<br />

a liberdade do escritor se encontra empenhada ao mesmo tempo<br />

em que nasce o contra-universo das palavras.<br />

Além disso, ao mesmo tempo em que a escrita é remoraliza-<br />

da, ela se põe a existir em uma espécie de solidez de rocha. Ela<br />

se impõe fora de tudo o que pode se dizer através dela. Daí, sem<br />

dúvida, a redescoberta por Breton de toda a dinastia da imaginação<br />

que a literatura francesa havia rejeitado: a imaginação é<br />

menos o que nasce no coração obscuro do homem do que o que<br />

surge na densidade luminosa do discurso. E Breton, nadador<br />

entre duas palavras, percorre um espaço imaginário que jamais<br />

havia sido descoberto antes dele.<br />

- Mas com o você explica que em certas épocas Breton tenha<br />

se preocupado com o engajamento político?<br />

- Sempre me surpreendeu o fato de que o que está em questão<br />

em sua obra não é a história, mas a revolução: não a política,<br />

mas o absoluto poder de mudar a vida. A incompatibilidade<br />

profunda entre marxistas e existencialistas do tipo sartriano,<br />

de um lado, e Breton, do outro, vem sem dúvida do fato de que<br />

para Marx ou Sartre a escrita faz parte do mundo, enquanto<br />

para Breton um livro, uma frase, uma palavra por si sós podem<br />

constituir a antimatéria do mundo e compensar todo o universo.<br />

- Mas Breton não dava tanta importância à vida quanto à<br />

escrita? Não há, em Nadja, em L ’amour fou, em Les vases com-<br />

municants2 com o que uma espécie de osmose permanente entre<br />

a escrita e a vida, entre a vida e a escrita?<br />

1. Nietzsche (F.), E cce hom o. W ie m an wird, was man ist, Leipzig. C. G.<br />

Naumann. 1889 (Ecce hom o. C om m en t on devtent ce que io n est, trad. J.-C.<br />

Hemery, in O eu vresphilosophiqu es com pletes. Paris. Galltmard, t. VIII, 1974).<br />

2. Breton (A.). N adja. Paris, Gallimard, “Collection Blanche", 1928; Les vases<br />

com m unicants, ibid., 1932; L 'a m o u rjo u , ibid., 1937.

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