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Estética - OUSE SABER!

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1975 - Sobre Margueritc Duras 357<br />

exemplo, de um livro, uma imagem: trata-se de Moderato can-<br />

tabíle1, a imagem do decote de um corpete de mulher. Planejei<br />

um seio - mas não sei se ele era visto - do qual surge uma flor.<br />

Todo o meu olhar ali se introduziu, à espera da mulher, e se fica<br />

preso a ela por essa flor e esse seio. E eu pensava: finalmente,<br />

todo esse livro terá sido escrito como se ele devesse concluir<br />

nessa imagem que prende. E, então, o espaço do livro, que é ao<br />

mesmo tempo o deserto, que é areia, que é praia, que é vida desintegrada,<br />

nos leva a alguma coisa muito pequena que, ao mesmo<br />

tempo, é enormemente valorizada, que é assim produzida<br />

em corpo ou em carne de maneira fulgurante. O que Marguerite<br />

Duras inventa é o que chamarei: a arte da pobreza. Pouco a<br />

pouco, há um tal trabalho de abandono das riquezas, dos monumentos,<br />

à medida que se avança em sua obra, e acredito que<br />

ela está consciente disso, ou seja, que ela desnuda cada vez<br />

mais, coloca cada vez menos cenário, mobiliário, objetos, e então<br />

fica de tal form a pobre que no final alguma coisa se insere,<br />

fica, e depois junta, reúne tudo o que não quer morrer. Como se<br />

todos os nossos desejos se reinvestissem em alguma coisa muito<br />

pequena que se torna tão grande quanto o amor. Não posso<br />

dizer o universo, mas o amor. E esse amor, é esse nada que é<br />

tudo. Você não acredita que é assim que as coisas funcionam?<br />

Aí. Foucault: Sim. Acredito que você tem toda razão. E a análise<br />

feita por você é muito bela. Vê-se muito bem o que produziu<br />

uma obra como essa, desde Blanchot, que, acredito, foi muito<br />

importante para ela, e através de Beckett. Essa arte da pobreza,<br />

ou então o que se poderia chamar: a memória sem lembrança.<br />

0 discurso está inteiramente em Blanchot, assim como em Duras,<br />

na dimensão da memória, de uma memória que foi inteiramente<br />

purificada de qualquer lembrança, que não passa de<br />

uma espécie de bruma, remetendo perpetuamente à memória,<br />

uma memória sobre a memória, e cada memória apagando<br />

qualquer lembrança, e isso infinitamente.<br />

Então, como uma obra como essa pôde bruscamente se inscrever<br />

no cinema, produzir uma obra cinematográfica que é,<br />

acredito, tão importante quanto a obra literária? E com imagens<br />

e personagens chegar a essa arte da pobreza, a essa memória<br />

sem lembranças, a essa espécie de aparência que, na verdade,<br />

só se cristaliza em um gesto, ein um olhar?<br />

Duras (M .), M o d e ra to ca n ta b ilc, Paris, Éd. de Minuit, 1958.

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