Pedagogia dos monstros - Apresentação
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oposição, a crença na “necessidade da existência” da<br />
normalidade humana. Uma existência que seja um<br />
dado adquirido: é imprescindível não questionar a<br />
nossa identidade de homens como seres reais. A nossa<br />
facticidade é de direito.<br />
O “monstro” constitui assim uma espécie de operador<br />
quase-conceptual” que, embora inquietando a<br />
razão, permite convencer que a existência do homem é<br />
produto de uma necessidade: em resumo, que o real<br />
humano é racional. Trata-se de um conceito aberrante<br />
(um quase-conceito ou quase-símbolo), semelhante a<br />
tantos outros que povoam o discurso <strong>dos</strong> filosófos<br />
(como o “Deus enganador” de Descartes). Se bem que<br />
contraditórios ou “irracionais” (uma raça de <strong>monstros</strong><br />
humanos é uma normalidade anormal), asseguram o<br />
trabalho da razão quando ela se aplica à existência.<br />
Ao delimitar uma zona de crença da razão, os <strong>monstros</strong><br />
escondem-lhe as fronteiras: o existente está ali, e<br />
não poderia lá não estar, fora desses limites, não há<br />
senão demência e desordem, um mundo sem leis<br />
(monstruoso). A nossa normalidade torna-se o referente<br />
absoluto de toda a norma, apesar de ela própria não<br />
se suster senão por essa exclusão (operação não-racional,<br />
mas que possibilita a aplicação da razão ao real).<br />
Não pretendemos fazer trabalho de historiador ou<br />
de arqueólogo” da monstruosidade; simplesmente<br />
mostrar como essa lógica que a rege funciona em regimes<br />
diferentes. Assim, insistimos na grande transformação<br />
que sofre a monstruosidade na Renascença:<br />
o interesse pelos nascimentos monstruosos impõe-se<br />
totalmente, apagando as raças fabulosas. É o próprio<br />
corpo do homem que muda, assim como a sua representação<br />
e o seu modo de viver o espaço e o tempo.<br />
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