Pedagogia dos monstros - Apresentação
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em nós; com menos evidência, mas não com menos<br />
intensidade, o devir-vegetal e o devir-mineral. E o que<br />
é um devir senão a experimentação de todas as nossas<br />
potências — afectivas, de pensamento, de expressão?<br />
Quem não experimentou já o movimento de passagem<br />
à barata de Kafka, ou de petrificações como contam<br />
as lendas populares? Devir-insecto, devir-pedra<br />
ou devir-pássaro são sempre actualizações do possível<br />
em nós como uma exigência do devir-si-próprio. Só<br />
que o devir-monstro (teratológico) é ambíguo porque<br />
parece actualizar directamente, sem mediações,<br />
um devir-si-próprio. Ora isso nega a noção do devir.<br />
É também ambíguo e perverso porque produz um<br />
excesso que se confunde com uma intensificação e um<br />
corpo superorgânico que pode assemelhar-se a um corpo-sem-órgãos<br />
pronto a acolher intensidades. E como<br />
a monstruosidade é como um diagrama vivo do caos, e<br />
o caos é um desencadeador de forças, o corpo monstruoso<br />
apela o homem a uma secreta identificação, como<br />
o sublime atrai pelo terror latente que contém. Simplesmente,<br />
não há devir real através da monstruosidade; há<br />
um movimento caótico de repente paralizado, como<br />
um devir começado que abortou, inacabado, mutilado.<br />
Ficaram à mostra os traços de um grande tumulto,<br />
a geologia corporal de sismos esboça<strong>dos</strong>, catástrofes<br />
em estado avançado e subitamente terminadas. Talvez<br />
por isso os signos da monstruosidade se prestem a servir<br />
de augúrios: eles anunciam, deixando em aberto os<br />
acontecimentos que inauguraram; o que vier efectuará<br />
o apenas em parte formado. Por isso também há sempre<br />
no excesso do corpo monstruoso a privação: falta<br />
um corpo àquela dupla cabeça ou outra cabeça àquele<br />
duplo tronco.