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Pedagogia dos monstros - Apresentação

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mim vista pelo outro corpo, de outro ponto de vista<br />

(exterior: assim toda a visão — de toda a paisagem e<br />

de to<strong>dos</strong> os corpos — implica o espelhamento da minha<br />

imagem numa coisa outra; e o espelhamento da<br />

sua imagem no meu corpo).<br />

Aqui reside a raiz da figura do “duplo”. O corpo<br />

normal é-o porque não está sózinho: com ele vive o<br />

seu duplo — como um corpo duplo subtil, um “simulacro”<br />

—, o qual lhe proporciona todas as experiências<br />

possíveis da reversibilidade: é porque estou ali estando<br />

aqui; porque, neste momento, vou e venho de qualquer<br />

ponto que vejo da paisagem, que tenho uma visão<br />

estável e ubíqüa. O meu duplo assegura-me a constância<br />

e a multiperspectivação da percepção; com ela<br />

construo a reversibilidade do meu tempo irreversível<br />

e vivo um presente com extensão que, enquanto dura,<br />

dura para a eternidade. Por isso a morte, que me é tão<br />

íntima, está sempre tão longe e como alheia à vida.<br />

Duplo latente que sou eu — dentro e fora de mim.<br />

Eis que de repente vejo num outro corpo uma superfície<br />

inóspita: ali não pode senão dificilmente espelhar,<br />

morar, prolongar-se o meu duplo. Aquele corpo<br />

monstruoso é, no entanto, de direito, o meu duplo,<br />

como todo corpo outro.<br />

Daí a vertigem que me provoca. O que lhe acontece<br />

para me rejeitar ao ponto de suscitar angústia e<br />

medo? Quebrou-se a proporção delicada entre simetria<br />

e assimetria do corpo; e, com ela, a relação adequada<br />

entre reversibilidade e irreversibilidade do<br />

tempo, entre o sentimento de ser mortal e o de ser<br />

imortal em vida. O monstro abre os diques que retinham<br />

o tempo, e a irreversibilidade jorrou, num ímpeto<br />

caótico: o que ele anuncia é catástrofre e morte.<br />

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