Pedagogia dos monstros - Apresentação
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exclusivamente em imolações perpétuas, em incontáveis<br />
rebeliões contra as inspirações do temperamento.<br />
Podem tais impulsos ser naturais? Recomenda a<br />
Natureza aquilo que a ofende? Eugênia, não seja a<br />
vítima dessas mulheres que você ouve serem chamadas<br />
de virtuosas. Suas paixões não são as mesmas que<br />
as nossas; mas elas entregam-se a outras, muitas vezes<br />
mais desprezíveis... Sua ambição, seu orgulho, seus<br />
interesses particulares... (SADE, 1965, p. 208). 7<br />
Tem-se sugerido que Eugênia é o duplo da modesta<br />
Sofia. Suas transgressões não são apenas uma<br />
deliberada afronta às virtudes de Sofia — como na mal<strong>dos</strong>amente<br />
engenhosa vingança que ela inflige à sua<br />
mãe, a corporificação da sempre-sofredora feminilidade<br />
rousseauniana; ela também ajuda a definir seu escopo<br />
e seus limites. A virtude, proclama Sade, não pode<br />
ser enraizada na natureza porque a natureza é radicalmente<br />
amoral. Como observa William Connolly, esta é<br />
a heresia que explode o universo moral de Rousseau:<br />
A tempestade sadeana de paixão e crueldade, explodindo<br />
entre as quatro paredes de uma alcova imaginária,<br />
ressalta as cósmicas proporções das alucinações<br />
narcísicas de sua oponente: elas exigem que Deus<br />
inscreva instruções e proteções para a comédia humana<br />
no texto da Natureza; elas insistem que o próprio<br />
plano da Natureza gire em torno do destino da<br />
humanidade (CONNOLLY, 1988, p. 78).<br />
Sade desdeifica, assim, a Natureza e, por extensão,<br />
também a Razão, na medida em que aquela é vista como<br />
capacidade humana inata. Ele reformula — em termos<br />
mais violentamente convincentes do que os <strong>dos</strong> autores<br />
do Bildungsroman ou <strong>dos</strong> filósofos românticos — a<br />
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