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Pedagogia dos monstros - Apresentação

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182<br />

No seu corpo a assimetria acentuou-se, mesmo quando<br />

aparentemente proliferou; duas cabeças num só tronco<br />

rompem a simetria do alto/baixo; mais<br />

profundamente, dão a ver o duplo latente, virtual que<br />

não deve estar à vista. Pois só enquanto virtual (e não<br />

real) ele permite movimento de reversibilidade instantâneo<br />

necessário à travagem do tempo vivido. Um<br />

duplo real, num corpo real, significa um movimento<br />

real no espaço perceptivo: é morte do duplo. A corporalização<br />

<strong>dos</strong> duplos na duplicação ou multiplicação<br />

<strong>dos</strong> órgãos nos corpos monstruosos arrasta a<br />

impossibilidade de operar a reversibilidade das distâncias<br />

no espaço e no tempo: o monstro já não me<br />

“reflecte”, roubou-me o duplo encarnando-o. Mas,<br />

como apesar de tudo é um corpo humano, continua a<br />

reflectir-me — daí a vertigem e o fascínio. Daí o espanto<br />

inesgotável que suscita a visão do monstro:<br />

como se a paisagem que o rodeia fosse afectada por<br />

um factor caótico decisivo que a deveria virar do avesso,<br />

desconjuntá-la, arruiná-la definitivamente. Que ela<br />

continue estável, eis o que nos maravilha.<br />

O surgimento de um duplo num corpo, deformando-o,<br />

abolindo a sua natureza virtual, actualizando<br />

parcialmente a sua latência aniquila o devir-outro do<br />

corpo que vê; e, ao mesmo tempo, solicita-o.<br />

Daí, talvez, a ambivalência da atracção actual pelos<br />

<strong>monstros</strong>: como sintoma de movimentos irreprimíveis<br />

de devir que por todo o lado se esboçam — devir outro<br />

espaço, outro tempo, outros afectos —, e como medo<br />

pânico do caos e da irreversibilidade incontrolada que<br />

esses movimentos podem induzir. Caos que assola já o<br />

nosso tempo; então, como para o esconjurar, criam-se

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