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Pedagogia dos monstros - Apresentação

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42<br />

O próprio rei foge, aterrorizado, aos gritos, atingindo<br />

os campos, tentando, em vão, falar. Sua boca involuntariamente<br />

acumula baba e, com sua costumeira avidez<br />

por sangue, volta-se contra os carneiros, comprazendo-se<br />

no massacre. Suas vestes transformam-se em pêlos<br />

enrola<strong>dos</strong>, seus braços em pernas. Ele transforma-se<br />

em um lobo, mantendo, entretanto, alguns traços de<br />

sua antiga forma. (OVÍDIO, 1916, I. 231-39)<br />

A horrivelmente fascinante perda da humanidade<br />

de Lycaon simplesmente reifica seu estado moral anterior;<br />

o corpo do rei torna-se todo transparência,<br />

instantânea e insistentemente legível. O poder da<br />

proibição narrativa alcança seu ápice na persistente<br />

descrição da monstruosa combinação que constitui<br />

Lycaon, naquela condição mediana em que ele é tanto<br />

homem quanto animal — natureza dual em uma<br />

vulnerável agitação de afirmação. A fábula termina<br />

quando Lycaon não pode mais falar, apenas significar.<br />

Enquanto os <strong>monstros</strong> nasci<strong>dos</strong> da conveniência<br />

política e do nacionalismo autojustificador funcionam<br />

como convites vivos à ação, em geral militar (invasões,<br />

usurpações, colonizações), o monstro da proibição policia<br />

as fronteiras do possível, interditando, por meio de<br />

seu grotesco corpo, alguns comportamentos e ações e<br />

valorizando outros. É possível, por exemplo, que os<br />

mercadores medievais tenham, intencionalmente, disseminado<br />

mapas que descreviam a existência de serpentes<br />

nas margens de suas rotas comerciais para<br />

desencorajar outras explorações e estabelecer monopólios.<br />

18 Todo monstro constitui, dessa forma, uma narrativa<br />

dupla, duas histórias vivas: uma que descreve como<br />

o monstro pode ser e outra — seu testemunho — que<br />

detalha a que uso cultural o monstro serve. O monstro

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