Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora
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<strong>Educação</strong> e diversidade 141<br />
São manifestações especificas do “(...) amor humano por lugar ou topofilia”<br />
que, segundo Tuan (1980: 106), engloba aqui as respostas ao meio ambiente,<br />
desde a apreciação visual e estética ao contato corporal, as relações de saúde e familiares,<br />
bem como a análise do impacto da urbanização na qualidade de vida para<br />
a apreciação do campo.<br />
Valorizavam-se, assim, a paisagem natural, a quietude, a ausência de violência,<br />
acidentes de trânsito e da poluição, deixando implícito no discurso uma comparação<br />
com o ritmo de vida nos grandes centros. No entanto, uma ressalva muito<br />
interessante foi feita em voz alta por um dos alunos, “é muito bom, só que é muito<br />
perigoso”, completando a seguir que “tem lobisomem”, no que é aplaudido pela<br />
maioria, que acena entusiasticamente com a cabeça.<br />
Estão presentes na comunidade narrativas míticas, que giram num universo<br />
de águas encantadas:<br />
“(...) Vivente, na água tem mais, porque na água tem muito bicho feio, tem<br />
terra, tem serpente, tem tudo quanto é coisa que é, na água, duvida de água<br />
quem quisé, porque ali tem tudo que não presta dentro dele, a gente não vê<br />
ele, mas ele ta vendo a gente la do fundo d’água, é porque ele é bicho, né,<br />
d’água, não, você pensa só peixe, mas não é peixe não, tudo” (Dona Satu).<br />
Da. Maria C. T. Barros, a rezadeira da comunidade, amante do rio e da pesca,<br />
circunspecta, voz pausada e doce, parece contemplar de longe as histórias, que<br />
são marcas do seu “vivido”:<br />
“(...) minha avó, sempre ela dava medo (...) a história do boi d’água me<br />
contaram, é na ponta do rio, ele sai d’água, agora lá no Barrancão tinha<br />
minhocão, porque quando passavam pescando, ele ‘chupava’ a gente”.<br />
Sob o uniforme escolar, lateja essa cultura trazida pelo contexto sociocultural<br />
demonstrada nas “crenças” dos mais antigos, percebendo-se aqui a força educativa<br />
do mito, ao colocar limites e acenar valores ao homem ribeirinho. O respeito às<br />
águas vinha envolto na crença de que seres sobrenaturais habitavam esse espaço,<br />
para proteger as espécies e a própria natureza da ação entrópica do homem.<br />
Comprovando esse cenário místico, surgiu também a imagem do refúgio na<br />
descrição da casa onde moram. O que chamou a atenção foi o valor afetivo dado<br />
à casa enquanto “morada”: “minha casa só tem duas peças, mas cabe minha família<br />
que eu gosto muito”; “minha casa é o meu lar, de muita alegria, de amor e de paz”.<br />
Revela-se aqui um cotidiano de sadia convivialidade com o que aí existe: “responsável<br />
pela figuração ‘existencial do refúgio’: só pode ser o espaço natural ou espaço<br />
da convivialidade, a Natureza ou nossa casa” (Paula Carvalho, 1994: 90).