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Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora

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Deambulações contemporâneas 191<br />

Num dos rituais que presenciei, quando as pessoas começaram a se sentir<br />

bem alimentadas, uma torta doce redonda foi levada à mesa e, com uma faca, o<br />

dono da festa fez-lhe quatro furos – em sinal de cruz – enchendo-os com vinho,<br />

e chamando a seguir o “Senhor João” (primo do Senhor Thomaz e chefe de outra<br />

família cigana) para, num ritual de entrelaçamento de braços e alternância de<br />

tomada do vinho, festejar algo que o grupo até então não me permitira saber o<br />

significado. Concluído esse momento, o doce foi dividido apenas entre os membros<br />

da tribo. A seguir, o Senhor Thomaz trouxe uma bandeja de prata contendo<br />

incenso com cheiro forte de ervas, passou aquela bandeja enfumaçada sobre sua<br />

cabeça e a do “Senhor João”, falou algumas palavras em seu dialeto e, pelos aplausos,<br />

pude perceber que um pacto havia sido selado.<br />

Nesse ritual, as mulheres se mantiveram a distância, só participando do<br />

momento de saborear o doce. Antes, apenas as mais jovens se ocuparam da preparação<br />

dos alimentos e de outros afazeres – sempre ajudadas por uma empregada<br />

diarista “brasileira”. Pude perceber que a velhice cigana era muito respeitada,<br />

poupada e até mesmo louvada. Tal afirmação se deve à observação de que os jovens<br />

atendiam a todos os pedidos dos anciãos. Outro detalhe que me dava tal certeza<br />

era o fato de que ao chegar à festa o ambiente estava revestido de tristeza e<br />

choro. Contaram-me que “Dona Nina”, a tia mais idosa da tribo, de 84 anos, teve<br />

sua pressão arterial aumentada, desmaiou e seus filhos a levaram a um hospital.<br />

Por conta do ocorrido, o Senhor Thomaz pediu desculpas pela pouca manifestação<br />

de alegria e pela música tocada em baixo volume, própria para dança de salão.<br />

Os jovens ciganos timidamente passaram a ensaiar alguns passos. A dança<br />

cigana, que para eles era sinal de alegria, de comemoração, de acontecimento feliz,<br />

só poderia ocorrer a partir do momento em que recebessem boas notícias sobre<br />

a saúde de “Tia Nina”.<br />

Pude observar que os mais velhos eram poupados e as velhas senhoras não<br />

“trabalhavam” nos centros das cidades visitadas pela tribo. Eram resguardados das<br />

inúmeras tarefas domésticas. Homens e mulheres diziam-se aposentados e mantinham-se<br />

com o lucro obtido pelo “trabalho” dos membros mais jovens. Percebi,<br />

através desses exemplos, que os ciganos envelheciam com dignidade, rodeados<br />

de cuidados e de afetos. Quando perguntei a uma das senhoras se sentia falta de<br />

sua atividade anterior, ela respondeu-me que já havia trabalhado muito, ajudara<br />

a tribo durante muitos anos e que, agora “aposentada”, chegara a vez de as moças<br />

“de sangue jovem” cumprirem seus papéis. Ainda comentando com algumas<br />

senhoras sobre questões de saúde relativas ao problema de “Tia Nina”, pude saber<br />

que, em geral, as pessoas idosas da tribo sofriam de males como hipertensão

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