Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora
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56 <strong>Culturas</strong> <strong>Contemporâneas</strong>, <strong>Imaginário</strong> e <strong>Educação</strong>: Reflexões e Relatos de Pesquisa<br />
acondicionados em embalagens que, em certas etapas da linha de produção, são<br />
estampadas com diferentes rótulos, favoráveis ou desfavoráveis, adequados ou inadequados,<br />
justos ou injustos. Por uma questão de fidelidade ao meu estímulo original<br />
para escrever este capítulo, decidi adotar, eu também, a metáfora dos rótulos,<br />
com alguns dos semantismos cabíveis neste contexto.<br />
De volta à entrevista e pelo tom das perguntas a mim enviadas, percebi logo<br />
que minha interlocutora, refletindo as posições da revista, procurava relacionar a<br />
prática da rotulação ao bullying, na medida em que a primeira pode facilmente<br />
ultrapassar os limites do senso de humor e da camaradagem para resvalar no sarcasmo<br />
e até mesmo na crueldade, vindo, desse modo, a assumir os contornos sombrios<br />
daquela violência, simbólica ou não, tão familiar ao mundo das organizações<br />
sociais, dentre elas, a escola.<br />
Tendo passado quase vinte anos de minha vida ensinando Língua Portuguesa<br />
no ensino fundamental, mais sete dando aulas de Comunicação Oral e Escrita<br />
para o ensino superior, sem contar os outros tantos em que tenho estado envolvida<br />
com a formação de educadores à margem da escola oficial, pude eu mesma<br />
receber e atribuir inúmeros rótulos. No caso da disciplina que eu lecionava, estes<br />
emergiam em situações especialmente reveladoras das intenções ocultas por trás<br />
do discurso, já que envolviam a aquisição da competência e o treino do desempenho<br />
verbal. Como já disse, sei também que fui, e mais de uma vez, rotulada<br />
por meus superiores, alunos e colegas. Do mesmo modo, reitero que atribuí não<br />
poucos rótulos a alunos, colegas e superiores. Lembro-me, aliás, de uma infinidade<br />
de reuniões de coordenação em que o tema dos rótulos não somente fazia parte<br />
da pauta, como também ganhava relevância em relação aos outros assuntos do cotidiano,<br />
acendendo infindáveis discussões, tão fecundas em produzir racionalizações<br />
e idealizações quanto estéreis para gerar efeitos construtivos na realidade.<br />
Que atire a primeira pedra aquele que, envolvido na encenação do drama<br />
escolar de cada dia, não tenha cometido o pecado da rotulação. E que atire a<br />
segunda aquele que, na mesma condição, não perdeu a fé, ao menos uma vez,<br />
nas iniciativas moralistas, maniqueístas e politicamente corretas com as quais a<br />
escola procura simplesmente tamponar as manifestações da sombra de seu ego<br />
institucional, ensinando assim as novas gerações a dissimularem a aparência do<br />
bem, também para evitar entrar no cerne das questões concretas que a pressionam,<br />
de dentro e de fora. Todavia, nem nossa culpa, no caso da primeira pedra,<br />
nem nosso cinismo, no caso da segunda, nos podem continuar eximindo de adotar<br />
posicionamentos mais criativos perante temas tão arcaicos e ambivalentes quan-