Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora
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196 <strong>Culturas</strong> <strong>Contemporâneas</strong>, <strong>Imaginário</strong> e <strong>Educação</strong>: Reflexões e Relatos de Pesquisa<br />
cuos pela “leviandade com que educavam seus jovens”. Havia, assim, uma estigmatização<br />
oficial, que acabava por induzir a população a episódios tais como o da falta<br />
de atendimento de saúde para a cigana com dor no dente. O grupo cigano, em<br />
resposta, apresentava uma atitude de silêncio resistente (“resistência passiva”),<br />
aparentemente emoldurada por uma aceitação resignada da tragédia da vida.<br />
A rejeição a essa discriminação e a essa violência social vividas pelo grupo<br />
eram as tônicas do “discurso pelo qual a comunidade se fundava... no interesse do<br />
aqui e agora” (Maffesoli, 1985: 36).<br />
O elemento constitutivo dessa socialidade era externado a partir da troca de<br />
bens, de afeto fraterno ou sensual (Maffesoli, 1985).<br />
A liberdade (para viver e se deslocar), a solidariedade e o direito ao ócio representavam<br />
a poesia que “(...) proporciona documentos para uma fenomenologia<br />
da alma”, poesia esta,que “encontra o seu repouso nos universos imaginados pelo<br />
devaneio grupal” (Bachelard, 1988: 14-15).<br />
Os sinais de reconhecimento aparente da cultura cigana, que levavam seus<br />
membros a se identificarem entre si e a evocarem a ajuda mútua, concretizavamse<br />
a partir do uso das roupas típicas (já descritas) pelas mulheres e de grandes<br />
anéis pelos homens. A tenda os localizava e os identificava no espaço que ocupavam,<br />
o que me leva a fazer mais algumas considerações:<br />
Se existe uma “memória espacial”, que se constitui em “(...) reserva de energia<br />
insondável e misteriosa”, porque é “(...) a encarnação de um solo para se enraizar”<br />
(Maffesoli, 1985: 53-54), então os ciganos, tendo a vivência no mundo a partir<br />
da alma nômade que os conduz à história de andanças, podem ser considerados<br />
de todo o mundo (universais), ou então de lugar algum.<br />
Se todo o imaginário grupal, que dá força às lendas, aos contos, aos fantasmas<br />
populares, necessita da territorialização bem definida, pois “o espaço é a forma a<br />
priori do fantástico”, então a “poesia do solo” (Maffesoli, 1985: 54-55) feita pelo<br />
Senhor Thomaz, ao apontar as cercanias da tribo e assumir, diante de mim, sua relação<br />
qualitativamente ambígua, enquanto chefe da família, dava a ele e a seu povo<br />
a territorialização imediata da cultura acomodada àquele espaço específico; porém,<br />
dentro da própria contraditorialidade existencial, o tempo tríbio (Poirier, 1987), que<br />
permeava-lhe a tradição, também negava a possibilidade da aparente decadência do<br />
grupo. Acredito que isso os poupava cosmicamente da “decadência da cidade” (a qual<br />
se caracteriza pelas expectativas não realizadas com o encontro na cidade). Assim,<br />
creio eu que a possibilidade já enunciada sobre a domesticação do povo cigano,<br />
aparentemente evidenciada pela redundância da fixação ao solo, se levado