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Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora

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190 <strong>Culturas</strong> <strong>Contemporâneas</strong>, <strong>Imaginário</strong> e <strong>Educação</strong>: Reflexões e Relatos de Pesquisa<br />

pelo menino. Disseram-me estar acostumados a conviver com a discriminação imposta<br />

pela sociedade e, apesar de existir “gente boa como eu”, os fatos vinham ocorrendo<br />

dessa maneira ao longo de muitos anos. Portanto, não adiantava querer<br />

mudá-los. Após tal conversa presenteei-lhes com uma cópia da filmagem por mim<br />

realizada. Quando já me despedia de todos, Dona Zoraide perguntou-me se desejava<br />

que lesse minha mão. Respondi-lhe que agradecia a gentileza, mas que temia<br />

saber sobre o meu futuro. Argumentou-me que “era besteira não querer saber<br />

o que já estava escrito no meu destino”. Refletindo sobre seu oferecimento – ler<br />

a minha sorte, seu trabalho – entendi que aquele ato continha uma forma de gratidão,<br />

de troca e talvez até mesmo de manifestação de carinho pelo tempo que me<br />

dedicara a ouvi-los em seus lamentos e dores.<br />

Outro detalhe interessante foi o fato de, no princípio das minhas visitas à<br />

tribo, as mulheres me chamarem de “cumadre” (tom pejorativo dado às “donas<br />

da cidade”, aquelas para quem pedem comida, roupas, etc.) e depois, algum tempo<br />

transcorrido, passar a ser chamada de “querida”. Não conseguia perceber se ainda<br />

existia algum tom pejorativo nessa denominação, mas gostei de ser “querida”.<br />

Durante o período em que visitei a família cigana, pude perceber que eles<br />

tinham alguns hábitos semelhantes aos da cozinha brasileira no que se refere à alimentação.<br />

Gostavam de carne animal, arroz beneficiado e verduras. A dieta que<br />

faziam diariamente era pobre em vitamina A e cálcio. Constatei ausência de frutas<br />

e ovos. Tomavam café, porém não identifiquei leite na alimentação. Já em dias<br />

de festa, a comida era absurdamente farta. Gostavam de carneiro e porco assado.<br />

O ritual de preparação dessas carnes me pareceu pagão: fincavam-se paus no chão<br />

de forma a ser construída uma espécie de altar, medindo aproximadamente três<br />

por três metros; depois fincavam-se os animais (inteiros), previamente limpos, em<br />

estacas tão grandes quanto os paus do “altar”, posicionando-os de tal forma que<br />

pudessem receber indiretamente o calor do fogo no centro desse “altar”. O dono<br />

da festa tinha de rodar a carne, porém, nas outras extremidades, onde também<br />

deviam ser rodados os paus em que estavam os outros animais, ficavam posicionados<br />

amigos e parentes, revezando-se na tarefa de tempos em tempos. Os demais<br />

alimentos pareciam-se com os da cozinha árabe, repolho, carne, arroz, porém<br />

preparados com muita pimenta. Todas essas iguarias, inclusive as carnes – e as respectivas<br />

cabeças dos animais –, eram dispostas sobre a grande mesa montada para<br />

a ocasião e acompanhadas por muitos legumes, verduras e pães. Alguns alimentos<br />

eram servidos em pratos ou bandejas de alumínio, e a carne assada era servida<br />

diretamente sobre as toalhas. Parecia um banquete no oásis de um deserto.

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