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Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora

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216 <strong>Culturas</strong> <strong>Contemporâneas</strong>, <strong>Imaginário</strong> e <strong>Educação</strong>: Reflexões e Relatos de Pesquisa<br />

tude endopsíquica. Todos aqueles que comem – almoçam, jantam, lancham – nas<br />

ruas mantêm um silêncio absolutamente profundo e um ar distante, numa abstração<br />

completa do local público; ou, então, compartilham a refeição com pessoas amigas,<br />

num estreitamento de laços afetivos. Nesse exato instante, o espaço público é<br />

sacralizado por extensão ao sagrado que há no compartilhamento da comida.<br />

Para os moradores de rua, o espaço público é uma constante; é o espaço onde<br />

acontecem e se desenrolam suas vidas. Não é somente o que lhes restou, mas o espaço<br />

que lhes pertence pelos mais variados motivos. Na vida desses cidadãos não<br />

há acasos como há nas vidas dos cidadãos comuns. Tudo para os moradores de rua<br />

é consequência; raramente uma opção. Assim, de consequência em consequência,<br />

o espaço público amplia-se numa dimensão privada.<br />

A ampliação do espaço público em espaço privado demonstra uma das tensões<br />

existentes no espaço urbano, ao mesmo tempo que expõe uma característica<br />

oximorônica da cidade, que não é mais do que a figuração de uma conjunção de<br />

opostos, permitindo uma terceira situação, uma situação intermediária que questiona<br />

os limites – nem privado, nem público, mas um espaço subjetivado. Neste<br />

sentido, o morador de rua “foge” ou perde o espaço individualista de uma condição<br />

social “normatizada” e “normalizada” pelas condutas, que não é mais do que<br />

uma prisão moral; porém, “fugir” dessa prisão é ser estigmatizado pela sociedade;<br />

por tal motivo, pode-se dizer que:<br />

“o território individualista se torna uma prisão. Em lugar de servir de base<br />

para uma possível partida torna-se lugar de fechamento. (...) A<br />

territorialização parental pode ser um paraíso indiferenciado, mas é também<br />

uma regressão que não deixa de induzir as patologias de toda ordem,<br />

nas quais o século XX não foi avaro (...) numa perspectiva universalista,<br />

querendo ultrapassar os diversos ‘territórios’ comunitários, a modernidade<br />

exacerbou o ‘território’ individual e da mesma forma estigmatizou o<br />

nomadismo, quer dizer, aquilo que ultrapassa a lógica da identidade própria<br />

do indivíduo” (Maffesoli, 2004: 82-83).<br />

A atividade de andar de um lado para o outro não tem a dimensão do prazer<br />

que tinha para o flâneur que caminhava por não ter nada o que fazer, fugindo do<br />

tédio da vida; nem se assemelha à caminhada de quem simplesmente está passeando<br />

a contemplar os edifícios e as praças, como os turistas. Para o morador de rua, o<br />

espaço por onde caminha é um espaço conhecido, um espaço privado que transforma<br />

a cidade em sua casa; assim, caminham pelas ruas como se caminhassem dentro<br />

de suas casas, pelos cômodos – da sala para a cozinha, para o quarto, etc. Tecem<br />

com esse andar um espaço íntimo, questionando, sem saber, a falta de humanida-

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