Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora
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Contemporaneidade e educação 5<br />
E, de novo, eu os desaponto... Não importa, contudo, a criação genial da<br />
contemporaneidade como recurso da conquista de nossa estabilidade histórica e<br />
pessoal. A única dimensão verdadeiramente significativa na conquista da humanidade<br />
do homem é o passado...<br />
Por quê? Não nos apressemos. Em vez de um argumento teórico, comecemos<br />
com uma verificação prática. O que distingue o homem de todos os demais<br />
seres da natureza é que, embora dela participando por – quem sabe? – a esmagadora<br />
maioria de seus componentes genéricos, específicos e individuais, o homem<br />
dela (da natureza) se separa e se distingue enquanto ser histórico. Embora partilhe<br />
com toda a natureza a vivência do e no tempo físico, o homem possui (e nele<br />
se insere, nele existe) o tempo histórico; um tempo humano – e só do humano, em<br />
toda a natureza. E toda diferença entre esse tempo histórico e o tempo natural (ou físico)<br />
se resume na circunstância de que o sujeito do tempo histórico (isto é, o homem)<br />
tenha, possua, passado. O ser natural não tem passado. A pedra, a água, a terra,<br />
a árvore não têm passado – nós é que lhes constituímos um passado, situando-os<br />
em nosso tempo. O animal não tem passado? Não. E, se um dia o tiver, não importa<br />
a forma ou o aspecto desse animal, podemos dar-lhe as boas-vindas na espécie<br />
humana.<br />
Não vou levantar toda uma teoria do tempo e da história para convencê-los.<br />
Vou fazer algo que me parece mais fascinante: vou ler-lhes, pontuado de pequenos<br />
comentários, o capítulo 28 do Quincas Borba de Machado de Assis (ó, não se<br />
assustem – é curtinho – uma folha e meia do livro). Machado é genial! Em 1891,<br />
quando a noção de tempo histórico estava longe de ter o uso e o alcance de hoje,<br />
Machado de Assis publica Quincas Borba – obra em que nos presenteia com uma<br />
belíssima caracterização do tempo humano enquanto histórico, inteiramente distinto<br />
do tempo natural – posse, o tempo histórico, da humanidade; e posse, o tempo<br />
natural, dos demais animais e dos demais reinos da natureza – e de toda a dimensão<br />
animal, pois, do bicho homem.<br />
Capítulo 28, pois. Rubião rumina seus problemas andando pelas terras da<br />
propriedade. Pressentindo-o, Quincas Borba começa a latir. Rubião abre-lhe a<br />
porta para que o acompanhe. “O cão atirou-se para fora. Que alegria! que entusiasmo!<br />
que saltos em volta do amo! Chega a lamber-lhe a mão de contente, mas Rubião<br />
dá-lhe um tabefe, que lhe dói; ele recua um pouco, triste, com a cauda entre as pernas;<br />
depois o senhor dá um estalinho com os dedos, e ei-lo que volta de novo com a<br />
mesma alegria.”<br />
– “Sossega! Sossega!” (diz Rubião).