Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora
Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora
Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
68 <strong>Culturas</strong> <strong>Contemporâneas</strong>, <strong>Imaginário</strong> e <strong>Educação</strong>: Reflexões e Relatos de Pesquisa<br />
que ela se manifestar. Aparentemente paramos de rotular quando nos dispomos<br />
a libertar o outro do estereótipo que lhe impusemos (também para projetar nele<br />
as coisas de que não gostamos em nós mesmos), quando nos lançamos à aventura<br />
de conhecer o outro e de nos reconhecermos nele, para o bem e para o mal.<br />
Rotular é, pois, um modo de exercer poder. Em contrapartida, conhecer é descolar<br />
rótulos, enxergando o sujeito por trás deles, mas também das embalagens<br />
que os sustentam.<br />
Há pouco fiz referência à dimensão latente da cultura organizacional, também<br />
denominada dimensão do imaginário reprimido, também chamada de<br />
afetual-fantasmática, o polo oposto complementar da instância dominante, consciente,<br />
técnico-racional. Dar lugar, voz e sentido aos fantasmas que assombram<br />
a educação e as culturas escolares significa olhar para imagens, projeções e fantasias<br />
que perpassam o cotidiano, de modo que, quando estas se manifestarem,<br />
emersas da sombra do ego escolar, saibamos como elaborá-las e integrá-las. Um<br />
rótulo equivocado e, no mais das vezes, ofensivo e intimidador, sobrevive mal a uma<br />
relação consistente; todavia, uma relação consistente pode até mesmo revelar o avesso<br />
do rótulo, no plano da realidade. Quem, afinal, não viveu a experiência de começar<br />
o ano odiando (e rotulando) um professor ou aluno, para aprender, pouco a pouco,<br />
a admirá-lo, reconhecendo também seu próprio erro de julgamento?<br />
Boris Cirulnik (2005: 54) afirma ainda que a escola é a primeira grande provação<br />
social na vida da criança (onde ela receberá, no mínimo, um “rótulo especializado”,<br />
do tipo Lento, Hiperativo, Disléxico, fruto de uma Família Disfuncional...).<br />
Mas sabemos também que a escola é, na mesma medida, um lugar onde essa<br />
criança terá acesso a tutores de resiliência (na forma de pessoas encarnadas ou<br />
de produções da cultura) que a ajudem a dar significado às provações, para que<br />
estas “assumam um valor de referência” em sua vida. Sim, a escola é ambivalente,<br />
como tudo mais que diga respeito a nós, seres humanos: ela envolve a provação<br />
e sua superação, as quais, juntas, constroem um oxímoro5 : uma genuína experiência<br />
pedagógica e simbólica, baseada na união dos contrários e, portanto, na<br />
ultrapassagem das dicotomias.<br />
Na mesma escola onde Daniel Pennac foi posto à prova, ele descobriu a saída.<br />
As provações sempre ocorrerão, e as rotulações certamente estarão entre elas. A<br />
diferença é que aprender a lidar com os monstros deve ser parte imprescindível do<br />
currículo desse amplo e contínuo processo de humanização ao qual chamamos edu-<br />
5. “.... em que dois termos antinômicos se associam opondo-se, como as vigas de um telhado se<br />
sustentam, porque são erigidas uma contra a outra” (Cirulnik, 2005: 3).