Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora
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218 <strong>Culturas</strong> <strong>Contemporâneas</strong>, <strong>Imaginário</strong> e <strong>Educação</strong>: Reflexões e Relatos de Pesquisa<br />
Os motivos que levam um indivíduo às ruas são os mais variados, podendo<br />
ser desde a perda do emprego até uma desilusão amorosa; porém, o sentido é sempre<br />
o da queda. Se há uma queda social, a queda pessoal é muito maior. A pessoa<br />
aos poucos perde seu status de cidadão, de trabalhador, de indivíduo, chegando<br />
praticamente a uma anulação, pessoal e psíquica, quase completa. Refugia-se,<br />
como princípio de esquecimento – que ao mesmo tempo é de integração com<br />
o grupo e de sobrevivência –, na bebida. Depois, cada vez mais, num esquecimento<br />
que se torna quase uma negação total do passado e da própria vida. Com<br />
isto, afasta qualquer possibilidade de futuro, vivendo apenas as circunstâncias<br />
do presente.<br />
Mas há uma dimensão inconsciente que permite o reconhecimento dos arquétipos<br />
e permite, também, a compreensão do sentido de vida desses cidadãos,<br />
que se poderá resgatar pelos relatos de suas histórias de vida, que permitirão o conhecimento<br />
dos anseios adormecidos e a compreensão dos aspectos simbólicos que<br />
estruturam a vida dos moradores de rua, e que podem ser percebidos como fonte<br />
de resistência e, muitas vezes, de abnegação consciente. Nesse processo o indivíduo<br />
que se perde na cidade, ou que se perde da cidade conhecida, encontra outra<br />
dimensão da cidade – uma dimensão em que as normas são transgredidas e as<br />
obrigações acabam. A única regra é sobreviver. Todo dia será sempre mais um dia;<br />
o dia mais importante. Nessa cidade vive-se um dia de cada vez. É um espaço em<br />
que os planos e os projetos pessoais inexistem.<br />
Da extrema ordem burocrática que estrutura a vida e as cidades no dia a dia,<br />
o indivíduo que se transforma em um morador de rua conhece outra estrutura,<br />
uma estrutura caótica que tem sua própria “lógica”, permitindo construir uma<br />
outra cidade, ou revelar outra dimensão da cidade burocratizada. Essa outra dimensão<br />
do urbano levantada neste momento é que a cidade não representa mais<br />
o espaço estático das construções e da tranquilidade da moradia; a cidade é o trajeto<br />
que o morador de rua faz todos os dias. A cidade se transforma em um espaço<br />
dinâmico, construído pelo andar, pelo caminhar, pelo deslocamento individual<br />
de cada morador (de rua).<br />
O espaço que se cria a partir dos passos dos moradores de rua coloca em<br />
questão a noção do bem público, do uso público do espaço urbano. Considerando-se<br />
que a cidade é de todos e para todos, o que se postula é o direito ao espaço<br />
público, consequentemente, esse espaço deverá ser pensado como uma dimensão<br />
do privado, porque os moradores de rua vivem suas vidas privadas em um espaço<br />
público. Todos os seus pertences – que são muito poucos –, suas intimidades,<br />
seus desejos estão constantemente à mostra. Se não são vistos é porque o cidadão