Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora
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192 <strong>Culturas</strong> <strong>Contemporâneas</strong>, <strong>Imaginário</strong> e <strong>Educação</strong>: Reflexões e Relatos de Pesquisa<br />
arterial, diabete, insuficiência renal, problemas preocupantes ligados ao uso de alimentos<br />
fartos em gordura, sal e açúcar. Seu João já apresentava sinais de pouquíssima<br />
circulação em uma das pernas, por causa da diabete; Dona Beatriz não ia para a cidade<br />
sem seu remédio (alopático) regulador da hipertensão arterial.<br />
Ainda falando dessa mesma festa, realizada num 12 de outubro (coincidente<br />
às comemorações católicas do dia de Nossa Senhora Aparecida), obtive algumas<br />
explicações que tentavam justificar o evento. Uma delas se referia ao fato de “o rapaz,<br />
dono da festa, ter alcançado a graça de estar com a esposa, cardíaca, em perfeita<br />
saúde”; outra explicação foi a de que essa era uma festa realizada todos os anos<br />
nesse mesmo dia; e ainda outra se referia à saúde de Dona Zoraide, que se curara<br />
de um mal súbito.<br />
Curiosamente, ao fundo da tenda principal onde se realizava a festa, havia<br />
uma estátua de Nossa Senhora Aparecida. Quando perguntei à Dona Beatriz o<br />
motivo pelo qual aquela estátua estava em destaque, ela me respondeu que “os ciganos<br />
eram cristãos”, mas como os padres não permitiam que frequentassem as<br />
igrejas, eles cultuavam as crenças em suas tendas. Paralelamente a essa tentativa<br />
de convencer a mim sobre “o cristianismo cigano” pude me inteirar de alguns assuntos<br />
que Dona Beatriz tratou com as jovens da tribo. Através de uma interação<br />
amplamente amistosa, quase maternal, ela ficava apontando quais as meninas que,<br />
sob seu ponto de vista, já estariam prontas para o casamento, dentre elas, Ângela,<br />
menina muito bonita, aparentando ter entre quatorze e dezesseis anos (mas que<br />
na realidade tinha doze anos) e que usava saias longas, amplas e coloridas, colares<br />
e lenço brilhante nos cabelos (tal qual suas outras amigas). Esse assunto, me<br />
pareceu, trazia certo constrangimento às meninas, mas era um constrangimento<br />
conivente com algo que, sabiam, estava por acontecer.<br />
No caso de Ângela, soube, tempos mais tarde, que, no período dessa festa,<br />
já havia se enamorado de um cigano e que até mesmo já estava grávida. Isso era<br />
do domínio grupal, na medida em que sua mãe predissera tal acontecimento meses<br />
antes e que, com muita naturalidade, esperavam a consumação de tal fato (esse<br />
depoimento foi obtido a partir da fala, cheia de censuras, da vice-diretora da escola<br />
onde Ângela cursava a quinta série, que abandonou logo após ter se casado).<br />
Em suas conversas com essa professora, Ângela dizia já não se sentir uma cigana,<br />
pois adquirira hábitos das pessoas da cidade; no entanto, acreditava que se casaria<br />
dentro em breve com o rapaz cigano, a partir das predições de sua mãe. Essas<br />
conversas, em tom de brincadeira, promovidas pelos mais velhos e dirigidas aos<br />
mais jovens criavam, em conjunto com a proximidade em que viviam, um clima<br />
sensual que mantinha acesa a vida, ou seja, a saúde do grupo. Pude observar ainda