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Culturas Contemporâneas, Imaginário e Educação ... - Rima Editora

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Conhecer é descolar rótulos 61<br />

Essa sequência parece-me particularmente ilustrativa do fato de que, embora<br />

tecnicamente excluído do território do pensamento que é a escola, o sentimento<br />

permanece a atuar no nível das subjetividades (que não podem ser<br />

desligadas ao soar do sinal), porém pela via da sombra, a qual se manifestou<br />

desastradamente no ato falho do professor. Tão preocupado em convencer seus<br />

alunos da importância de aprender e aplicar os tempos verbais corretamente, ele<br />

viu-se capturado por uma armadilha de linguagem, acionada pela sombra. O<br />

rótulo de “vagabundas” (seja lá o que isto quisesse dizer) foi projetado sobre as<br />

alunas pela autoridade, ainda que cambaia. Elas, por seu turno, rejeitaram-no<br />

com veemência, tendo vencido a parada no coletivo, o qual, contudo, nada ganhou<br />

com a experiência.<br />

Os pragmáticos romanos atribuíam um poder à palavra escrita que excedia<br />

amplamente o da palavra falada, a qual consideravam demasiado volátil para comprometer<br />

severamente o emissor. Os rótulos, contudo, têm tal força que parecem<br />

aderir como sanguessugas aos seus portadores, e assim argumentam no sentido<br />

oposto, de que, mesmo no reino do conceito e da palavra escrita que é a escola, a<br />

oralidade, profundamente enraizada na presentidade do cotidiano, na emoção e<br />

na imaginação, pode ferir e continuar ferindo, não importa quantas racionalizações<br />

posteriores usemos para tentar desmobilizá-la. No filme, a palavra imprópria<br />

emergiu à tona de um sentimento legítimo, que pedia para ser considerado e elaborado<br />

a um nível mais profundo que o do procedimento padrão. A escola, no<br />

entanto, e de maneira muito verossímil, apenas tomou as medidas higiênicas e<br />

burocráticas devidas para tamponar o extravasamento emocional (dos dois lados<br />

do confronto) e neutralizá-lo no nível mais superficial das relações. Não houve<br />

qualquer tentativa de apropriação pedagógica do episódio vivido pelo grupo. E<br />

tudo continuou como dantes, pelo menos até o cataclismo seguinte.<br />

Mais parênteses para outra história exemplar, que revela o quão paradoxais<br />

podem ser as reações a essas designações. Um amigo de meu filho, de 15 anos,<br />

contava-me, dia destes, com visível alívio, que não tinha sido classificado para a<br />

“turma dos nerds”, no exame de seleção de um prestigioso colégio de São Paulo.<br />

Por sorte, sua nota lhe tinha garantido um lugar na igualmente prestigiosa (ainda<br />

que pelo avesso) “turma dos vagabundos”. Aqui, a mesma palavra que fez emergir<br />

o conflito longamente latente de Entre os muros da escola transformou-se em<br />

fonte de valor positivo para o amigo de meu filho. Como se pode constatar, os<br />

rótulos são, como nós, bipolares. Diferentes contextos podem conferir-lhes valores<br />

diametralmente opostos, em especial se se tratarem de rótulos coletivos.

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