3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)
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Deve-se atentar que, no fato <strong>do</strong> serviço ou <strong>de</strong>feito, há evi<strong>de</strong>nte solidarieda<strong>de</strong> entre to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s na prestação, não<br />
haven<strong>do</strong> a mesma diferenciação prevista para o fato <strong>do</strong> produto, na esteira <strong>do</strong> que consta <strong>do</strong>s arts. 12 e 13 <strong>do</strong> CDC. Isso porque é<br />
difícil diferenciar quem é o presta<strong>do</strong>r dir<strong>et</strong>o e o indir<strong>et</strong>o na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> prestação, dificulda<strong>de</strong> que não existe no fato <strong>do</strong> produto, em<br />
que a figura <strong>do</strong> fabricante é bem clara. Sobre t<strong>al</strong> <strong>de</strong>dução, vejamos as p<strong>al</strong>avras conjuntas <strong>de</strong> Claudia Lima Marques, Antonio<br />
Herman Benjamin e Bruno Miragem:<br />
“A organização da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong> serviços é responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r (<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> escolha, <strong>de</strong> vigilância), aqui<br />
pouco importan<strong>do</strong> a participação eventu<strong>al</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r na escolha <strong>de</strong> <strong>al</strong>guns <strong>do</strong>s muitos possíveis. No sistema <strong>do</strong> CDC é<br />
impossível transferir aos membros da ca<strong>de</strong>ia responsabilida<strong>de</strong> exclusiva, nem impedir que o consumi<strong>do</strong>r se r<strong>et</strong>rate, em face da<br />
escolha posterior <strong>de</strong> um membro novo da ca<strong>de</strong>ia”.44<br />
Na verda<strong>de</strong>, a tarefa <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> quem seja o presta<strong>do</strong>r dir<strong>et</strong>o ou não po<strong>de</strong>ria trazer a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutela<br />
jurisdicion<strong>al</strong> da parte vulnerável. Aqui, é interessante transcrever as p<strong>al</strong>avras <strong>de</strong> Roberto Senise Lisboa:<br />
“A responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviços pelo aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> consumo é obj<strong>et</strong>iva, ou seja, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> culpa, a<br />
menos que o agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> prejuízo mor<strong>al</strong> puro ou cumula<strong>do</strong> com o patrimoni<strong>al</strong> seja profission<strong>al</strong> liber<strong>al</strong>, caso em que a sua<br />
responsabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá ser subj<strong>et</strong>iva (vi<strong>de</strong>, a respeito <strong>do</strong> tema, o art. 14, caput, e § 4º).<br />
Qu<strong>al</strong>quer fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviços, em princípio, respon<strong>de</strong> obj<strong>et</strong>ivamente pelos danos sofri<strong>do</strong>s pelo consumi<strong>do</strong>r, s<strong>al</strong>vo o profission<strong>al</strong><br />
liber<strong>al</strong>. Assim, tanto a pessoa física como a pessoa jurídica <strong>de</strong> direito público ou priva<strong>do</strong> que atuam como fornece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> serviços<br />
no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo po<strong>de</strong>m vir a respon<strong>de</strong>r sem culpa”. 45<br />
Tais conclusões, sem dúvida, ampliam muito a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s parceiros <strong>de</strong> prestação. Como primeira ilustração,<br />
vejamos <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça, que responsabiliza uma instituição bancária pelo serviço m<strong>al</strong> presta<strong>do</strong> por<br />
empresa terceirizada, o que acabou por acarr<strong>et</strong>ar a inscrição <strong>do</strong> nome <strong>do</strong> correntista em cadastro <strong>de</strong> inadimplentes. Pela presença<br />
<strong>do</strong>s danos morais, o caso é exemplo típico <strong>de</strong> fato <strong>do</strong> serviço:<br />
“Recurso especi<strong>al</strong>. Extravio <strong>de</strong> t<strong>al</strong>ões <strong>de</strong> cheque. Empresa terceirizada. Uso in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s títulos por terceiros. Inscrição in<strong>de</strong>vida em<br />
cadastro <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> crédito. Responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> banco. Dano mor<strong>al</strong>. Presunção. V<strong>al</strong>or da in<strong>de</strong>nização excessivo – Redução.<br />
Recurso especi<strong>al</strong> parci<strong>al</strong>mente provi<strong>do</strong>. 1. Em casos <strong>de</strong> inscrição in<strong>de</strong>vida em órgãos <strong>de</strong> proteção ao crédito, não se faz necessária a<br />
prova <strong>do</strong> prejuízo. 2. Restou caracterizada a legitimida<strong>de</strong> passiva <strong>do</strong> Banco recorrente, o qu<strong>al</strong> é responsável pela entrega <strong>do</strong>s t<strong>al</strong>ões<br />
<strong>de</strong> cheque ao cliente, <strong>de</strong> forma segura, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, optan<strong>do</strong> por terceirizar esse serviço, assume eventu<strong>al</strong> <strong>de</strong>feito na sua prestação,<br />
mediante culpa in eligen<strong>do</strong>, por <strong>de</strong>feito <strong>do</strong> serviço, nos termos <strong>do</strong> art. 14 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, que disciplina a<br />
responsabilida<strong>de</strong> obj<strong>et</strong>iva pela reparação <strong>do</strong>s danos (REsp 640.196, Terceira Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ 01.08.2005). 3.<br />
Firmou-se entendimento nesta Corte Superior que, sempre que <strong>de</strong>sarrazoa<strong>do</strong> o v<strong>al</strong>or imposto na con<strong>de</strong>nação, impõe-se sua<br />
a<strong>de</strong>quação, evitan<strong>do</strong>-se assim o injustifica<strong>do</strong> locupl<strong>et</strong>amento da parte vence<strong>do</strong>ra. 4. Recurso especi<strong>al</strong> conheci<strong>do</strong> em parte e nela<br />
parci<strong>al</strong>mente provi<strong>do</strong>” (STJ – REsp 782.898/MT – Quarta Turma – Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa – j. 21.11.2006 – DJ<br />
04.12.2006, p. 328).<br />
Em caso próximo, essa forma <strong>de</strong> julgar foi confirmada em acórdão superior mais recente, publica<strong>do</strong> no Informativo n. 542 da<br />
Corte, segun<strong>do</strong> o qu<strong>al</strong> “prescreve em cinco anos a pr<strong>et</strong>ensão <strong>de</strong> correntista <strong>de</strong> obter reparação <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s por instituição<br />
financeira <strong>de</strong>correntes da entrega, sem autorização, <strong>de</strong> t<strong>al</strong>onário <strong>de</strong> cheques a terceiro que, em nome <strong>do</strong> correntista, passa a emitir<br />
várias cártulas sem provisão <strong>de</strong> fun<strong>do</strong>s, geran<strong>do</strong> inscrição in<strong>de</strong>vida em órgãos <strong>de</strong> proteção ao crédito. Na hipótese, o serviço<br />
mostra-se <strong>de</strong>feituoso, na medida em que a instituição financeira não forneceu a segurança legitimamente esperada pelo correntista.<br />
Isso porque constitui fato notório que os t<strong>al</strong>onários <strong>de</strong> cheques <strong>de</strong>posita<strong>do</strong>s em agência bancária somente po<strong>de</strong>m ser r<strong>et</strong>ira<strong>do</strong>s pelo<br />
próprio correntista, mediante assinatura <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumento atestan<strong>do</strong> a sua entrega, para possibilitar o seu posterior uso. O banco tem a<br />
posse <strong>de</strong>sse <strong>do</strong>cumento, esperan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>le um mínimo <strong>de</strong> diligência na sua guarda e entrega ao seu correntista. A Segunda Seção<br />
<strong>do</strong> STJ, a propósito, editou recentemente enuncia<strong>do</strong> sumular acerca da responsabilida<strong>de</strong> civil das instituições financeiras, segun<strong>do</strong><br />
o qu<strong>al</strong> as ‘instituições financeiras respon<strong>de</strong>m obj<strong>et</strong>ivamente pelos danos gera<strong>do</strong>s por fortuito interno relativo a frau<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>litos<br />
pratica<strong>do</strong>s por terceiros no âmbito <strong>de</strong> operações bancárias’ (Súmula 479). Sen<strong>do</strong> assim, em face da <strong>de</strong>feituosa prestação <strong>de</strong> serviço<br />
pela instituição bancária, não aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à segurança legitimamente esperada pelo consumi<strong>do</strong>r, tem-se a caracterização <strong>de</strong> fato <strong>do</strong><br />
serviço, disciplina<strong>do</strong> pelo art. 14 <strong>do</strong> CDC. O STJ, <strong>al</strong>iás, julgan<strong>do</strong> um caso semelhante – em que os t<strong>al</strong>ões <strong>de</strong> cheque foram<br />
rouba<strong>do</strong>s da empresa responsável pela entrega <strong>de</strong> t<strong>al</strong>onários –, enten<strong>de</strong>u tratar-se <strong>de</strong> hipótese <strong>de</strong> <strong>de</strong>feito na prestação <strong>do</strong> serviço,<br />
aplican<strong>do</strong> o art. 14 <strong>do</strong> CDC (REsp 1.024.791/SP, Quarta Turma, DJe 09.03.2009). A<strong>de</strong>mais, a <strong>do</strong>utrina, an<strong>al</strong>isan<strong>do</strong> a f<strong>al</strong>ha no<br />
serviço <strong>de</strong> banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, tem interpr<strong>et</strong>a<strong>do</strong> o CDC <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a enquadrá-la, também, como fato <strong>do</strong> serviço. Ante o exposto,<br />
incidin<strong>do</strong> o art. 14 <strong>do</strong> CDC, <strong>de</strong>ve ser aplica<strong>do</strong>, por consequência, o prazo prescricion<strong>al</strong> previsto no art. 27 <strong>do</strong> mesmo estatuto leg<strong>al</strong>,<br />
segun<strong>do</strong> o qu<strong>al</strong> prescreve em cinco anos a pr<strong>et</strong>ensão à reparação pelos danos causa<strong>do</strong>s por fato <strong>do</strong> serviço, inician<strong>do</strong>-se a contagem