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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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um novo dimensionamento <strong>de</strong> antigas construções. A pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> figurar como uma revisitação das premissas da razão<br />

pura, por meio da análise da re<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conceitos que foram nega<strong>do</strong>s pela razão anterior, pela mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> quadrada. Essa é a<br />

conclusão <strong>de</strong> Hilton Ferreira Japiassu, merecen<strong>do</strong> <strong>de</strong>staque os seus dizeres:<br />

“Diria que a chamada ‘pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>’ aparece como uma espécie <strong>de</strong> Renascimento <strong>do</strong>s i<strong>de</strong>ais bani<strong>do</strong>s e cassa<strong>do</strong>s por nossa<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> racion<strong>al</strong>iza<strong>do</strong>ra. Esta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> teria termina<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> momento em que não po<strong>de</strong>mos mais f<strong>al</strong>ar da história<br />

como <strong>al</strong>go <strong>de</strong> unitário e quan<strong>do</strong> morre o mito <strong>do</strong> Progresso. É a emergência <strong>de</strong>sses i<strong>de</strong>ais que seria responsável por toda uma onda<br />

<strong>de</strong> comportamentos e <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s irracionais e <strong>de</strong>sencanta<strong>do</strong>s em relação à política e pelo crescimento <strong>do</strong> c<strong>et</strong>icismo face aos v<strong>al</strong>ores<br />

fundamentais da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Estaríamos dan<strong>do</strong> A<strong>de</strong>us à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, à Razão (Feyerabend)? Quem acredita ainda que ‘to<strong>do</strong> re<strong>al</strong><br />

é racion<strong>al</strong> e to<strong>do</strong> racion<strong>al</strong> é re<strong>al</strong>’ (Hegel)? Que esperança po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>positar no proj<strong>et</strong>o da Razão emancipada, quan<strong>do</strong> sabemos que<br />

orientou-se para a instrument<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> e a simples produtivida<strong>de</strong>? Que proj<strong>et</strong>o <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> pesso<strong>al</strong> po<strong>de</strong> proporcionar-nos um mun<strong>do</strong><br />

crescentemente racion<strong>al</strong>iza<strong>do</strong>, c<strong>al</strong>cula<strong>do</strong>r e burocratiza<strong>do</strong>, que coloca no centro <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o econômico, entendi<strong>do</strong> apenas como o<br />

financeiro subm<strong>et</strong>i<strong>do</strong> ao jogo cego <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>? Como po<strong>de</strong> o homem ser feliz no interior da lógica <strong>do</strong> sistema, on<strong>de</strong> só tem v<strong>al</strong>or o<br />

que funciona segun<strong>do</strong> previsões, on<strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sejos, suas paixões, necessida<strong>de</strong>s e aspirações passam a ser racion<strong>al</strong>mente<br />

administra<strong>do</strong>s e manipula<strong>do</strong>s pela lógica da eficácia econômica que o reduz ao papel <strong>de</strong> simples consumi<strong>do</strong>r?”4<br />

No contexto da presente obra, nota-se que o Código Brasileiro <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r constitui uma típica norma pósmo<strong>de</strong>rna,<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> rever conceitos antigos <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong>, tais como o contrato, a responsabilida<strong>de</strong> civil e a prescrição.<br />

O fenômeno pós-mo<strong>de</strong>rno, com enfoque jurídico, po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> por vários fatores. O primeiro a ser cita<strong>do</strong> é a<br />

glob<strong>al</strong>ização, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> mundi<strong>al</strong>, <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo ger<strong>al</strong> para as ciências e para o comportamento das pessoas. F<strong>al</strong>a-se hoje<br />

em linguagem glob<strong>al</strong>, em economia glob<strong>al</strong>izada, em merca<strong>do</strong> uno, em <strong>do</strong>enças e epi<strong>de</strong>mias mundiais e até em um <strong>Direito</strong><br />

unifica<strong>do</strong>. Quanto ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> agir, o oci<strong>de</strong>nte se aproxima <strong>do</strong> oriente, e vice-versa. A China consome o hambúrguer norteamericano,<br />

e os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s consomem o macarrão chinês. Alguns se <strong>al</strong>imentam <strong>de</strong> macarrão com hambúrguer, fundin<strong>do</strong> o<br />

oriente ao oci<strong>de</strong>nte, até <strong>de</strong> forma inconsciente, em especi<strong>al</strong> nos países em <strong>de</strong>senvolvimento. No caso <strong>do</strong> CDC brasileiro, t<strong>al</strong><br />

preocupação po<strong>de</strong> ser notada pela abertura constante <strong>do</strong> seu art. 7º, que admite a aplicação <strong>de</strong> fontes <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> Compara<strong>do</strong>, caso<br />

<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s e convenções internacionais, in verbis: “Os direitos previstos neste Código não excluem outros <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s<br />

ou convenções internacionais <strong>de</strong> que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, <strong>de</strong> regulamentos expedi<strong>do</strong>s pelas<br />

autorida<strong>de</strong>s administrativas comp<strong>et</strong>entes, bem como <strong>do</strong>s que <strong>de</strong>rivem <strong>do</strong>s princípios gerais <strong>do</strong> direito, an<strong>al</strong>ogia, costumes e<br />

equida<strong>de</strong>”.<br />

A par <strong>de</strong>ssa unida<strong>de</strong> mundi<strong>al</strong>, como afirma Erik Jayme, os Esta<strong>do</strong>s não seriam mais os centros <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r e da proteção da<br />

pessoa humana, ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> espaço, em larga margem, aos merca<strong>do</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>, as regras <strong>de</strong> concorrência acabariam por<br />

d<strong>et</strong>erminar a vida e o comportamento <strong>do</strong>s seres humanos.5 De toda sorte, como prega o próprio <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r em outro texto, ao<br />

discorrer sobre a re<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> Internacion<strong>al</strong> Priva<strong>do</strong>, é preciso que os Esta<strong>do</strong>s busquem, em sua integração, para uma<br />

crescente unificação <strong>do</strong> <strong>Direito</strong>, a conservação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultur<strong>al</strong> das pessoas, para proteger e garantir a sua person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong><br />

individu<strong>al</strong>. 6 Em suma, segun<strong>do</strong> Erik Jayme, o <strong>Direito</strong> Internacion<strong>al</strong> Priva<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve levar em consi<strong>de</strong>ração, basea<strong>do</strong> em critérios <strong>de</strong><br />

proximida<strong>de</strong>, as diferenças culturais incorporadas aos respectivos or<strong>de</strong>namentos jurídicos, prestan<strong>do</strong>-se a se tornar também um<br />

direito fundament<strong>al</strong> liga<strong>do</strong> à person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cidadãos. 7 Nesse contexto, surge a proteção <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, fazen<strong>do</strong><br />

um cabo <strong>de</strong> guerra contra a excessiva proteção merca<strong>do</strong>lógica.<br />

Como outro ponto <strong>de</strong> reflexão a ser <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> a respeito da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> jurídica, há a abundância <strong>do</strong>s gêneros e espécies:<br />

abundância <strong>de</strong> sujeitos e <strong>de</strong> direitos, excesso <strong>de</strong> fatores que influenciam as relações jurídicas e eclosão sucessiva <strong>de</strong> leis, entre<br />

outros. Relativamente às leis, a re<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> um Big Bang Legislativo, na qu<strong>al</strong> se verifica uma explosão <strong>de</strong> normas jurídicas,<br />

como afirma Ricar<strong>do</strong> Luis Lorenz<strong>et</strong>ti.8 No caso brasileiro, convive-se com mais <strong>de</strong> 40 mil leis, a <strong>de</strong>ixar o aplica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>Direito</strong><br />

<strong>de</strong>snortea<strong>do</strong> a respeito <strong>de</strong> sua incidência no tipo (fattispecie). Mesmo em relação aos consumi<strong>do</strong>res, em muitas situações, há uma<br />

situação <strong>de</strong> dúvida sobre qu<strong>al</strong> norma jurídica <strong>de</strong>ve incidir no caso concr<strong>et</strong>o.<br />

No que concerne aos sujeitos pós-mo<strong>de</strong>rnos, reconhece-se um plur<strong>al</strong>ismo, o que é intensifica<strong>do</strong> pela v<strong>al</strong>orização <strong>do</strong>s direitos<br />

humanos e das liberda<strong>de</strong>s. Inúmeras são as preocupações legais em se tutelar os vulneráveis, a fim <strong>de</strong> se v<strong>al</strong>orizar a pessoa humana,<br />

nos termos <strong>do</strong> que consta <strong>do</strong> art. 1º, III, da Constituição Fe<strong>de</strong>r<strong>al</strong>: consumi<strong>do</strong>res, trab<strong>al</strong>ha<strong>do</strong>res, mulheres sob violência, crianças e<br />

a<strong>do</strong>lescentes, jovens, i<strong>do</strong>sos, indígenas, <strong>de</strong>ficientes físicos, negros. Além <strong>de</strong> proteger sujeitos, as normas ten<strong>de</strong>m a tutelar v<strong>al</strong>ores<br />

que são coloca<strong>do</strong>s à disposição da pessoa para a sua sadia qu<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, como é o caso <strong>do</strong> meio ambiente, <strong>do</strong> Bem Ambient<strong>al</strong>.<br />

A par <strong>de</strong>ssa re<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>, Claudia Lima Marques ensina:<br />

“Segun<strong>do</strong> Erik Jayme, as características da cultura pós-mo<strong>de</strong>rna no direito seriam o plur<strong>al</strong>ismo, a comunicação, a narração, o que<br />

Jayme <strong>de</strong>nomina ‘le r<strong>et</strong>our <strong>de</strong>s sentiments’, sen<strong>do</strong> o Leitmotiv da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> a v<strong>al</strong>orização <strong>do</strong>s direitos humanos. Para Jayme,<br />

o direito como parte da cultura <strong>do</strong>s povos muda com a crise da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. O plur<strong>al</strong>ismo manifesta-se na multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a <strong>de</strong>scodificação ou a implosão <strong>do</strong>s sistemas genéricos normativos

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