05.05.2017 Views

3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Professora Titular da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> da USP Giselda Maria Fernan<strong>de</strong>s Novaes Hironaka:<br />

“Cada um <strong>de</strong> nós sabe – sem sombra <strong>de</strong> dúvida – que o v<strong>al</strong>or humano relativo ao padrão <strong>de</strong> beleza é um v<strong>al</strong>or que gera uma<br />

expectativa, e até uma esperança, que não po<strong>de</strong> ser tot<strong>al</strong>mente satisfeita. Dificilmente <strong>al</strong>guém se reconhece plenamente satisfeito<br />

acerca <strong>de</strong> seu próprio perfil estético; ora o tipo <strong>de</strong> cabelo, ora a cor <strong>do</strong>s olhos, ora o contorno da face… sempre há um certo aspecto<br />

que gostaríamos <strong>de</strong> <strong>al</strong>terar, se possível. E isto gera o sonho. E o sonho, a expectativa. E a expectativa, a <strong>de</strong>cisão pela cirurgia. E<br />

<strong>de</strong>la, em tantas vezes, a frustração em face <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> obti<strong>do</strong>, ainda que tu<strong>do</strong> tenha se da<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s perfeitos parâm<strong>et</strong>ros da<br />

eficiência técnica e da diligência médica. O que fazer, num caso assim, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>do</strong> cirurgião? Ele é<br />

responsável pela frustração <strong>do</strong> paciente, ainda quan<strong>do</strong> o tenha prepara<strong>do</strong> convenientemente e tenha, princip<strong>al</strong>mente, <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> sua<br />

maior e melhor atuação técnica.<br />

Nesse passo, já há uma parte da <strong>do</strong>utrina e jurisprudência posicionan<strong>do</strong>-se em senti<strong>do</strong> diverso, ou seja, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> configurar-se em<br />

obrigação <strong>de</strong> meio este tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> médica, a cirurgia estética.<br />

Caminhar-se-á, quiçá, por um mar <strong>de</strong> injustiças caso o comportamento da jurisprudência não se <strong>al</strong>tere, permanecen<strong>do</strong> pre<strong>do</strong>minante<br />

a tese da responsabilida<strong>de</strong> (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> culpa) <strong>do</strong> cirurgião plástico e <strong>do</strong> anestesista, pois cada caso é um caso, e cada paciente<br />

apresenta um histórico e um quadro clínico distinto <strong>de</strong> outro, o que inadmite, no meu sentir, a gener<strong>al</strong>ização <strong>do</strong> assunto pela<br />

obj<strong>et</strong>ivação da responsabilida<strong>de</strong>.”16<br />

Da mesma forma, propon<strong>do</strong> a revisão, <strong>al</strong>u<strong>de</strong> Paulo Lôbo que “é irrelevante que a obrigação profission<strong>al</strong> liber<strong>al</strong> classifique-se<br />

como <strong>de</strong> meio ou <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>. Pr<strong>et</strong>en<strong>de</strong>u-se que, na obrigação <strong>de</strong> meio, a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria da <strong>de</strong>monstração antecipada<br />

da culpa; na obrigação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>, a inversão <strong>do</strong> ônus da prova seria obrigatória. Não há qu<strong>al</strong>quer fundamento para t<strong>al</strong><br />

discriminação, <strong>al</strong>ém <strong>de</strong> prejudicar o contratante, que estaria com o ônus adicion<strong>al</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar ser <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong> a obrigação <strong>do</strong><br />

profission<strong>al</strong>”.17<br />

Ainda em se<strong>de</strong> <strong>do</strong>utrinária, <strong>de</strong>staque-se o excelente trab<strong>al</strong>ho monográfico <strong>de</strong> Pablo Renteria, fruto <strong>de</strong> sua dissertação <strong>de</strong><br />

mestra<strong>do</strong> <strong>de</strong>fendida na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> da UERJ, propon<strong>do</strong> uma revisitação crítica <strong>do</strong>s conceitos expostos. 18<br />

Na jurisprudência po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s que concluem que, mesmo haven<strong>do</strong> obrigação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>, a<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> médico continua sen<strong>do</strong> subj<strong>et</strong>iva, por incidência <strong>do</strong>s termos expressos da norma jurídica. Do Superior<br />

Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça, ementa recente:<br />

“Recurso especi<strong>al</strong>. Responsabilida<strong>de</strong> civil. Erro médico. Art. 14 <strong>do</strong> CDC. Cirurgia plástica. Obrigação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>. Caso fortuito.<br />

Exclu<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. 1. Os procedimentos cirúrgicos <strong>de</strong> fins meramente estéticos caracterizam verda<strong>de</strong>ira obrigação <strong>de</strong><br />

resulta<strong>do</strong>, pois neles o cirurgião assume verda<strong>de</strong>iro compromisso pelo efeito embeleza<strong>do</strong>r prom<strong>et</strong>i<strong>do</strong>. 2. Nas obrigações <strong>de</strong><br />

resulta<strong>do</strong>, a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> profission<strong>al</strong> da medicina permanece subj<strong>et</strong>iva. Cumpre ao médico, contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>monstrar que os<br />

eventos danosos <strong>de</strong>correram <strong>de</strong> fatores externos e <strong>al</strong>heios à sua atuação durante a cirurgia. 3. Apesar <strong>de</strong> não prevista expressamente<br />

no CDC, a eximente <strong>de</strong> caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cirurgião plástico, pois rompe o nexo <strong>de</strong><br />

caus<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> entre o dano aponta<strong>do</strong> pelo paciente e o serviço presta<strong>do</strong> pelo profission<strong>al</strong>. 4. Age com cautela e conforme os ditames<br />

da boa-fé obj<strong>et</strong>iva o médico que colhe a assinatura <strong>do</strong> paciente em ‘termo <strong>de</strong> consentimento informa<strong>do</strong>’, <strong>de</strong> maneira a <strong>al</strong>ertá-lo<br />

acerca <strong>de</strong> eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório. Recurso especi<strong>al</strong> a que se nega provimento” (STJ –<br />

REsp 1.180.815/MG – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 19.08.2010 – DJe 26.08.2010).<br />

De fato, em termos gerais, a responsabilida<strong>de</strong> obj<strong>et</strong>iva somente po<strong>de</strong> <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> lei ou <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco<br />

<strong>de</strong>sempenhada pelo autor <strong>do</strong> dano, o que é r<strong>et</strong>ira<strong>do</strong> <strong>do</strong> art. 927, parágrafo único, <strong>do</strong> CC/2002, antes transcrito. Definitivamente, a<br />

responsabilida<strong>de</strong> obj<strong>et</strong>iva <strong>do</strong>s profissionais médicos e afins, pelos termos <strong>do</strong> CC/2002 e <strong>do</strong> CDC – em diálogo das fontes –, é<br />

subj<strong>et</strong>iva, e não obj<strong>et</strong>iva. Assim, não há como enquadrá-los na primeira parte <strong>do</strong> art. 927, parágrafo único, <strong>do</strong> Código Civil. Nesse<br />

senti<strong>do</strong>, resta a dúvida se os profissionais que <strong>de</strong>senvolvem obrigação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong> po<strong>de</strong>m ser enquadra<strong>do</strong>s na segunda parte <strong>do</strong><br />

coman<strong>do</strong> leg<strong>al</strong>, ou seja, na aclamada cláusula ger<strong>al</strong> <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> obj<strong>et</strong>iva, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco<br />

norm<strong>al</strong>mente <strong>de</strong>sempenhada. Há quem entenda por t<strong>al</strong> subsunção, como é o caso <strong>de</strong> Claudio Luiz Bueno <strong>de</strong> Go<strong>do</strong>y.19<br />

Todavia, a construção jurídica merece ress<strong>al</strong>va, mormente nas situações em que há cirurgia plástica estética, uma vez que a<br />

iniciativa <strong>do</strong> risco não é <strong>do</strong> profission<strong>al</strong>, mas <strong>do</strong> paciente. Em outras p<strong>al</strong>avras, é o último quem procura a situação arriscada,<br />

ger<strong>al</strong>mente por uma questão <strong>de</strong> satisfação pesso<strong>al</strong>. Em reforço, a re<strong>al</strong>ização <strong>de</strong> uma intervenção médica não é um ato norm<strong>al</strong>,<br />

po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se dizer que, em regra, o risco está na busca pela cirurgia plástica estética. A <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r das condições gerais da pessoa a<br />

ser operada, esse risco po<strong>de</strong> ser acentua<strong>do</strong>, fato que po<strong>de</strong> configurar o perigo. Em to<strong>do</strong>s os casos, repise-se, por iniciativa <strong>do</strong><br />

próprio paciente, consumi<strong>do</strong>r.<br />

De qu<strong>al</strong>quer maneira, a persistir a conclusão da responsabilida<strong>de</strong> sem culpa, o novo enquadramento está na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco,<br />

e não na obrigação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> esse um caminho melhor a ser percorri<strong>do</strong> tecnicamente. Em suma, o médico cirurgião<br />

plástico estético irá respon<strong>de</strong>r pelo risco da ativida<strong>de</strong>, e não pelo risco profission<strong>al</strong>. A encerrar o presente tópico, aquelas antigas<br />

<strong>de</strong>duções antes fixadas a respeito das obrigações <strong>de</strong> meio e <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong> merecem mesmo um novo dimensionamento, com novas

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!