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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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12.4. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE OFÍCIO<br />

Interessante questão atinente à <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica no âmbito <strong>do</strong> direito consumerista diz respeito à<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua d<strong>et</strong>erminação <strong>de</strong> ofício. É natur<strong>al</strong> que o exequente, sen<strong>do</strong> o maior interessa<strong>do</strong> em aplicar as chances <strong>de</strong><br />

satisfazer seu direito, o que obterá com a ampliação <strong>de</strong> sujeitos que respondam com seu patrimônio por t<strong>al</strong> satisfação,<br />

invariavelmente faz pedi<strong>do</strong> nesse senti<strong>do</strong>. Mas a pergunta permanece interessante, ainda que relegada à excepcion<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>: não<br />

haven<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> o juiz atuar <strong>de</strong> ofício?<br />

Existem <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> Tribunais Estaduais no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser viável t<strong>al</strong> ato <strong>de</strong> ofício pelo juiz:<br />

“Civil. Processu<strong>al</strong> civil. Embargos <strong>de</strong> terceiro. Execução. Parte executada (socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato ‘PRO4 Produções’) constituída<br />

irregularmente e representada pelos recorrentes. Utilização <strong>de</strong> CNPJ <strong>de</strong> outra empresa (‘Multi Util Comércio e Representações<br />

LTDA. ME’, representada também pelos recorrentes). Confusão patrimoni<strong>al</strong> que gera obstáculos ao ressarcimento <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.<br />

Desconsi<strong>de</strong>ração da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong>vidamente aplicada pelo juízo <strong>de</strong> origem. Incidência da ‘teoria menor’, que possibilita<br />

a <strong>de</strong>cr<strong>et</strong>ação, <strong>de</strong> ofício, da <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica. Artigo 28, § 5.º, <strong>do</strong> CDC. Ausência <strong>de</strong> julgamento extra<br />

p<strong>et</strong>ita. Legitimida<strong>de</strong> passiva <strong>de</strong> ambos os recorrentes confirmada. Bloqueio <strong>de</strong> numerário <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>. Citação válida (F. 11). Recurso<br />

improvi<strong>do</strong>. Sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, com Súmula <strong>de</strong> julgamento servin<strong>do</strong> <strong>de</strong> acórdão, na forma<br />

<strong>do</strong> artigo 46 da Lei n.º 9.099/1995. Honorários advocatícios fixa<strong>do</strong>s em 10% <strong>do</strong> v<strong>al</strong>or da con<strong>de</strong>nação, mais custas processuais, a<br />

cargo <strong>do</strong>s recorrentes” (TJDF – Recurso 2006.01.1.078794-9 – Acórdão 480.320 – Segunda Turma Recurs<strong>al</strong> <strong>do</strong>s Juiza<strong>do</strong>s Especiais<br />

Cíveis e Criminais <strong>do</strong> DF – Rel. Juiz José Guilherme <strong>de</strong> Souza – DJDFTE 18.02.2011 – p. 214).<br />

“Agravo <strong>de</strong> instrumento. Execução <strong>de</strong> sentença. Desconsi<strong>de</strong>ração da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica. Impossibilida<strong>de</strong>. Depreen<strong>de</strong>-se <strong>do</strong> art.<br />

28 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, que o juiz po<strong>de</strong>rá, a requerimento ou <strong>de</strong> ofício, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica da<br />

socieda<strong>de</strong> sempre que houver prejuízo ao consumi<strong>do</strong>r, abuso <strong>de</strong> direito, excesso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, infração da Lei, fato ou ato ilícito ou<br />

violação <strong>do</strong>s estatutos ou contrato soci<strong>al</strong>. Mencionada faculda<strong>de</strong> também é conferida nos casos <strong>de</strong> f<strong>al</strong>ência, insolvência,<br />

encerramento ou inativida<strong>de</strong> da pessoa jurídica, os quais tenham si<strong>do</strong> causa<strong>do</strong>s pela má administração. Consagrou-se a teor <strong>do</strong> art.<br />

20 <strong>do</strong> Código Civil, que as pessoas jurídicas têm existência distinta da <strong>do</strong>s seus sócios, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, pois, ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada a teoria da<br />

person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica somente em casos extremos, ou seja, quan<strong>do</strong> exaustivamente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> <strong>do</strong>lo ou frau<strong>de</strong> pratica<strong>do</strong>s pela<br />

pessoa física, que usa como escu<strong>do</strong> a person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica da empresa. Sem que se prove ter agi<strong>do</strong> as representantes legais ao<br />

arrepio <strong>do</strong>s estatutos sociais, em abuso <strong>de</strong> direito, não é possível atribuir a responsabilida<strong>de</strong> com a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong><br />

jurídica da empresa” (TJMG – Agravo <strong>de</strong> Instrumento 2.0000.00.353986-8/000 – Juiz <strong>de</strong> Fora – Quarta Câmara Civil – Rel. Des.<br />

Alvimar <strong>de</strong> Ávila – j. 12.12.2001 – DJMG 22.12.2001).<br />

O tema <strong>do</strong> reconhecimento <strong>de</strong> ofício <strong>de</strong> matérias referentes ao Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r será <strong>de</strong>vidamente an<strong>al</strong>isa<strong>do</strong><br />

no Capítulo 13, inclusive haven<strong>do</strong> divergência entre os autores da presente obra quanto à interpr<strong>et</strong>ação a ser dada ao art. 1.º da Lei<br />

8.078/1990. Pesso<strong>al</strong>mente não consigo r<strong>et</strong>irar <strong>do</strong> art. 28, § 5.º, <strong>do</strong> CDC a permissão para a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> ofício, conforme<br />

serviu <strong>de</strong> fundamento <strong>do</strong>s julgamentos menciona<strong>do</strong>s. Se re<strong>al</strong>mente fosse possível a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> ofício, o responsável seria<br />

o art. 1.º <strong>do</strong> CDC, jamais o art. 28, § 5.º, <strong>do</strong> CDC, responsável apenas pela a<strong>do</strong>ção da teoria menor da <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração às relações<br />

consumeristas.<br />

Será reafirma<strong>do</strong> no Capítulo 13 que o reconhecimento <strong>de</strong> matérias <strong>de</strong> direito materi<strong>al</strong> <strong>de</strong> ofício <strong>de</strong>ve respeitar outros v<strong>al</strong>ores<br />

relevantíssimos <strong>do</strong> processo, tais como o princípio da inércia da jurisdição e da correlação entre pedi<strong>do</strong> e sentença. No tocante à<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica, entr<strong>et</strong>anto, enten<strong>do</strong> ser possível a atuação <strong>de</strong> ofício pelo juiz, porque vejo nessa forma<br />

<strong>de</strong> esten<strong>de</strong>r a responsabilida<strong>de</strong> patrimoni<strong>al</strong> aos sócios uma matéria <strong>de</strong> direito processu<strong>al</strong> ou, quan<strong>do</strong> menos, uma matéria<br />

processu<strong>al</strong>.<br />

Conforme já tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afirmar, com amparo em tranquila <strong>do</strong>utrina, a responsabilida<strong>de</strong> patrimoni<strong>al</strong> é matéria<br />

exclusivamente processu<strong>al</strong>, porque trata <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> que só será exigida na execução ou f<strong>al</strong>ência. Dessa forma, a<br />

responsabilida<strong>de</strong> patrimoni<strong>al</strong> secundária é regulada por norma <strong>de</strong> direito processu<strong>al</strong>, mais precisamente o art. 790 <strong>do</strong> Novo CPC.<br />

Tem-se, portanto, uma matéria <strong>de</strong> direito processu<strong>al</strong>. Partin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa premissa, é importante se d<strong>et</strong>erminar se a matéria processu<strong>al</strong> é<br />

reconhecível <strong>de</strong> ofício ou somente po<strong>de</strong> ser reconhecida mediante a <strong>al</strong>egação da parte interessada.<br />

Nessa análise, apesar <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r que re<strong>al</strong>mente exista a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedi<strong>do</strong> da parte na maioria das vezes, no caso<br />

particular <strong>do</strong> direito consumerista enten<strong>do</strong> ser possível a atuação <strong>de</strong> ofício <strong>do</strong> juiz, justamente em razão <strong>do</strong> previsto no art. 1.º <strong>do</strong><br />

CDC. Nesse caso, não vejo como ofensa ao princípio da inércia da jurisdição e tampouco da correlação, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que na<br />

execução o juiz é provoca<strong>do</strong> a satisfazer o direito <strong>do</strong> exequente, sen<strong>do</strong> justamente isso que tentará fazer ao <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a<br />

person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica da socieda<strong>de</strong> empresari<strong>al</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>r-se-ia <strong>al</strong>egar que, nesse caso, o juiz estaria redirecionan<strong>do</strong> a execução contra novo exequente, já que o pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

exequente não foi dirigi<strong>do</strong> contra o sócio da socieda<strong>de</strong> empresari<strong>al</strong>. De fato, t<strong>al</strong> redirecionamento ocorrerá, mas apenas porque o

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