3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)
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elação com a teoria da perda <strong>do</strong> tempo útil, an<strong>al</strong>isada a seguir.<br />
Ainda para ilustrar a respeito <strong>do</strong>s transtornos, <strong>do</strong> Informativo n. 463 <strong>do</strong> STJ extrai-se ementa segun<strong>do</strong> a qu<strong>al</strong> o envio ao<br />
consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> cartão pré-pago não gera dano mor<strong>al</strong>, haven<strong>do</strong> apenas uma má-prestação <strong>de</strong> serviços, sem maiores repercussões no<br />
campo <strong>de</strong> prejuízos:<br />
“Dano mor<strong>al</strong>. Cartão megabônus. O envio ao consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> cartão megabônus (cartão pré-pago vincula<strong>do</strong> a programa<br />
<strong>de</strong> recompensas) com informações que levariam a crer tratar-se <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro cartão <strong>de</strong> crédito não dá ensejo à reparação <strong>de</strong> dano<br />
mor<strong>al</strong>, apesar <strong>de</strong> configurar, conforme as instâncias ordinárias, má prestação <strong>de</strong> serviço ao consumi<strong>do</strong>r. Mesmo constata<strong>do</strong> causar<br />
certo incômo<strong>do</strong> ao contratante, o envio não repercute <strong>de</strong> forma significativa na esfera subj<strong>et</strong>iva <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Também assim, a<br />
tentativa <strong>de</strong> utilizar o cartão como se fosse <strong>de</strong> crédito não vulnera a dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, mostran<strong>do</strong>-se apenas como mero<br />
dissabor. Anote-se haver multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ações que buscam essa reparação (mais <strong>de</strong> 60 mil) e que já foi editada a Súm. 149-TJRJ,<br />
<strong>do</strong> mesmo teor <strong>de</strong>ste julgamento. Prece<strong>de</strong>ntes cita<strong>do</strong>s: REsp 1.072.308-RS, DJe 10.06.2010; REsp 876.527-RJ, DJe 28.04.2008;<br />
REsp 338.162-MG, DJ 18.02.2002; REsp 590.512-MG, DJ 17.12.2004, e REsp 403.919-MG, DJ 04.08.2003” (STJ – REsp<br />
1.151.688-RJ – Rel. Min. Luis Felipe S<strong>al</strong>omão – j. 17.02.2011).<br />
Na mesma linha, tem-se entendi<strong>do</strong>, naquela Corte Superior, que o mero lançamento <strong>de</strong> v<strong>al</strong>or incorr<strong>et</strong>o na cobrança <strong>do</strong> cartão<br />
<strong>de</strong> crédito, por si só, não gera dano mor<strong>al</strong> in<strong>de</strong>nizável. Nos termos <strong>de</strong> aresto publica<strong>do</strong> no seu Informativo n. 479, que elenca várias<br />
situações que servem <strong>de</strong> ilustração, “não há dano mor<strong>al</strong> in re ipsa quan<strong>do</strong> a causa <strong>de</strong> pedir da ação se constitui unicamente na<br />
inclusão <strong>de</strong> v<strong>al</strong>or in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> na fatura <strong>de</strong> cartão <strong>de</strong> crédito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r. Assim como o saque in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>, também o simples<br />
recebimento <strong>de</strong> fatura <strong>de</strong> cartão <strong>de</strong> crédito na qu<strong>al</strong> incluída cobrança in<strong>de</strong>vida não constitui ofensa a direito da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong><br />
(honra, imagem, privacida<strong>de</strong>, integrida<strong>de</strong> física); não causa, portanto, dano mor<strong>al</strong> obj<strong>et</strong>ivo, in re ipsa. Aliás, o STJ já se<br />
pronunciou no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a cobrança in<strong>de</strong>vida <strong>de</strong> serviço não contrata<strong>do</strong>, da qu<strong>al</strong> não resultara inscrição nos órgãos <strong>de</strong><br />
proteção ao crédito, ou até mesmo a simples prática <strong>de</strong> ato ilícito não têm por consequência a ocorrência <strong>de</strong> dano mor<strong>al</strong> (AgRg no<br />
AREsp 316.452-RS, Quarta Turma, DJe 30/9/2013; e AgRg no REsp 1.346.581-SP, Terceira Turma, DJe 12/11/2012). Além<br />
disso, em outras oportunida<strong>de</strong>s, enten<strong>de</strong>u o STJ que certas f<strong>al</strong>has na prestação <strong>de</strong> serviço bancário, como a recusa na aprovação <strong>de</strong><br />
crédito e bloqueio <strong>de</strong> cartão, não geram dano mor<strong>al</strong> in re ipsa (AgRg nos EDcl no AREsp 43.739-SP, Quarta Turma, DJe<br />
4/2/2013; e REsp 1.365.281-SP, Quarta Turma, DJe 23/8/2013). Portanto, o envio <strong>de</strong> cobrança in<strong>de</strong>vida não acarr<strong>et</strong>a, por si só,<br />
dano mor<strong>al</strong> obj<strong>et</strong>ivo, in re ipsa, na medida em que não ofen<strong>de</strong> direito da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>. A configuração <strong>do</strong> dano mor<strong>al</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá<br />
da consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> peculiarida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> caso concr<strong>et</strong>o, a serem <strong>al</strong>egadas e comprovadas nos autos. Com efeito, a jurisprudência tem<br />
entendi<strong>do</strong> caracteriza<strong>do</strong> dano mor<strong>al</strong> quan<strong>do</strong> evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> abuso na forma <strong>de</strong> cobrança, com publicida<strong>de</strong> negativa <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
consumi<strong>do</strong>r, reiteração da cobrança in<strong>de</strong>vida, inscrição em cadastros <strong>de</strong> inadimplentes, protesto, ameaças <strong>de</strong>scabidas, <strong>de</strong>scrédito,<br />
coação, constrangimento, ou interferência m<strong>al</strong>sã na sua vida soci<strong>al</strong>, por exemplo (REsp 326.163-RJ, Quarta Turma, DJ<br />
13/11/2006; e REsp 1.102.787-PR, Terceira Turma, DJe 29/3/2010). Esse entendimento é mais compatível com a dinâmica atu<strong>al</strong><br />
<strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> pagamento, por meio <strong>de</strong> cartões e intern<strong>et</strong>, os quais facilitam a circulação <strong>de</strong> bens, mas, por outro la<strong>do</strong>, ensejam<br />
frau<strong>de</strong>s, as quais, quan<strong>do</strong> ocorrem, <strong>de</strong>vem ser coibidas, propician<strong>do</strong>-se o ressarcimento <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong> na exata medida <strong>do</strong> prejuízo”<br />
(STJ – REsp 1.550.509/RJ – Rel. Min. Maria Isabel G<strong>al</strong>lotti – j. 03.03.2016 – DJe 14.03.2016).<br />
O que se concluiu, acertadamente, é que o mero <strong>de</strong>scumprimento <strong>do</strong> negócio <strong>de</strong> consumo ou a má-prestação <strong>do</strong> serviço, por si,<br />
não gera dano mor<strong>al</strong> ao consumi<strong>do</strong>r. Pelo bom senso, pela equida<strong>de</strong> e pelas máximas <strong>de</strong> experiência, <strong>de</strong>ve estar evi<strong>de</strong>nciada a<br />
lesão aos direitos da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>, para que se possa f<strong>al</strong>ar em dano imateri<strong>al</strong> reparável. Isso, para que o nobre instituto <strong>do</strong> dano<br />
mor<strong>al</strong> não caia em <strong>de</strong>sprestígio.<br />
Um caso em que a lesão a direito da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> parece estar presente diz respeito à situação concr<strong>et</strong>a em que o consumi<strong>do</strong>r<br />
envia uma carta registrada que não atinge o seu <strong>de</strong>stinatário. Como bem pontuou a Segunda Seção <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça,<br />
em acórdão publica<strong>do</strong> no ano <strong>de</strong> 2015, “a contratação <strong>de</strong> serviços postais ofereci<strong>do</strong>s pelos Correios, por meio <strong>de</strong> tarifa especi<strong>al</strong>,<br />
para envio <strong>de</strong> carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão <strong>de</strong> postagem revela a existência <strong>de</strong> contrato<br />
<strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> a fornece<strong>do</strong>ra respon<strong>de</strong>r obj<strong>et</strong>ivamente ao cliente por danos morais advin<strong>do</strong>s da f<strong>al</strong>ha <strong>do</strong> serviço quan<strong>do</strong> não<br />
comprovada a ef<strong>et</strong>iva entrega. É incontroverso que o embarga<strong>do</strong> sofreu danos morais <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> extravio <strong>de</strong> sua<br />
correspondência, motivo pelo qu<strong>al</strong> o montante in<strong>de</strong>nizatório fixa<strong>do</strong> em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi<br />
manti<strong>do</strong> pelo acórdão proferi<strong>do</strong> pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena <strong>de</strong> enriquecimento sem causa” (STJ – EREsp<br />
1.097.266/PB – Rel. Min. Ricar<strong>do</strong> Villas Bôas Cueva – Segunda Seção – j. 10.12.2014 – DJe 24.02.2015). Lamenta-se apenas o<br />
v<strong>al</strong>or que foi fixa<strong>do</strong> a título <strong>de</strong> reparação imateri<strong>al</strong>, irrisório na opinião <strong>de</strong>ste autor.<br />
Assim, <strong>de</strong>ve-se atentar para louvável ampliação <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> dano mor<strong>al</strong>, em que está presente um aborrecimento relevante,<br />
notadamente pela perda <strong>do</strong> tempo útil. Essa ampliação <strong>de</strong> situações danosas, inconcebíveis no passa<strong>do</strong>, representa um caminhar<br />
para a reflexão da responsabilida<strong>de</strong> civil sem dano, na nossa opinião. Como bem exposto por Vitor Guglinski, “a ocorrência