05.05.2017 Views

3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

elação com a teoria da perda <strong>do</strong> tempo útil, an<strong>al</strong>isada a seguir.<br />

Ainda para ilustrar a respeito <strong>do</strong>s transtornos, <strong>do</strong> Informativo n. 463 <strong>do</strong> STJ extrai-se ementa segun<strong>do</strong> a qu<strong>al</strong> o envio ao<br />

consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> cartão pré-pago não gera dano mor<strong>al</strong>, haven<strong>do</strong> apenas uma má-prestação <strong>de</strong> serviços, sem maiores repercussões no<br />

campo <strong>de</strong> prejuízos:<br />

“Dano mor<strong>al</strong>. Cartão megabônus. O envio ao consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> cartão megabônus (cartão pré-pago vincula<strong>do</strong> a programa<br />

<strong>de</strong> recompensas) com informações que levariam a crer tratar-se <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro cartão <strong>de</strong> crédito não dá ensejo à reparação <strong>de</strong> dano<br />

mor<strong>al</strong>, apesar <strong>de</strong> configurar, conforme as instâncias ordinárias, má prestação <strong>de</strong> serviço ao consumi<strong>do</strong>r. Mesmo constata<strong>do</strong> causar<br />

certo incômo<strong>do</strong> ao contratante, o envio não repercute <strong>de</strong> forma significativa na esfera subj<strong>et</strong>iva <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Também assim, a<br />

tentativa <strong>de</strong> utilizar o cartão como se fosse <strong>de</strong> crédito não vulnera a dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, mostran<strong>do</strong>-se apenas como mero<br />

dissabor. Anote-se haver multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ações que buscam essa reparação (mais <strong>de</strong> 60 mil) e que já foi editada a Súm. 149-TJRJ,<br />

<strong>do</strong> mesmo teor <strong>de</strong>ste julgamento. Prece<strong>de</strong>ntes cita<strong>do</strong>s: REsp 1.072.308-RS, DJe 10.06.2010; REsp 876.527-RJ, DJe 28.04.2008;<br />

REsp 338.162-MG, DJ 18.02.2002; REsp 590.512-MG, DJ 17.12.2004, e REsp 403.919-MG, DJ 04.08.2003” (STJ – REsp<br />

1.151.688-RJ – Rel. Min. Luis Felipe S<strong>al</strong>omão – j. 17.02.2011).<br />

Na mesma linha, tem-se entendi<strong>do</strong>, naquela Corte Superior, que o mero lançamento <strong>de</strong> v<strong>al</strong>or incorr<strong>et</strong>o na cobrança <strong>do</strong> cartão<br />

<strong>de</strong> crédito, por si só, não gera dano mor<strong>al</strong> in<strong>de</strong>nizável. Nos termos <strong>de</strong> aresto publica<strong>do</strong> no seu Informativo n. 479, que elenca várias<br />

situações que servem <strong>de</strong> ilustração, “não há dano mor<strong>al</strong> in re ipsa quan<strong>do</strong> a causa <strong>de</strong> pedir da ação se constitui unicamente na<br />

inclusão <strong>de</strong> v<strong>al</strong>or in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> na fatura <strong>de</strong> cartão <strong>de</strong> crédito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r. Assim como o saque in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>, também o simples<br />

recebimento <strong>de</strong> fatura <strong>de</strong> cartão <strong>de</strong> crédito na qu<strong>al</strong> incluída cobrança in<strong>de</strong>vida não constitui ofensa a direito da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong><br />

(honra, imagem, privacida<strong>de</strong>, integrida<strong>de</strong> física); não causa, portanto, dano mor<strong>al</strong> obj<strong>et</strong>ivo, in re ipsa. Aliás, o STJ já se<br />

pronunciou no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a cobrança in<strong>de</strong>vida <strong>de</strong> serviço não contrata<strong>do</strong>, da qu<strong>al</strong> não resultara inscrição nos órgãos <strong>de</strong><br />

proteção ao crédito, ou até mesmo a simples prática <strong>de</strong> ato ilícito não têm por consequência a ocorrência <strong>de</strong> dano mor<strong>al</strong> (AgRg no<br />

AREsp 316.452-RS, Quarta Turma, DJe 30/9/2013; e AgRg no REsp 1.346.581-SP, Terceira Turma, DJe 12/11/2012). Além<br />

disso, em outras oportunida<strong>de</strong>s, enten<strong>de</strong>u o STJ que certas f<strong>al</strong>has na prestação <strong>de</strong> serviço bancário, como a recusa na aprovação <strong>de</strong><br />

crédito e bloqueio <strong>de</strong> cartão, não geram dano mor<strong>al</strong> in re ipsa (AgRg nos EDcl no AREsp 43.739-SP, Quarta Turma, DJe<br />

4/2/2013; e REsp 1.365.281-SP, Quarta Turma, DJe 23/8/2013). Portanto, o envio <strong>de</strong> cobrança in<strong>de</strong>vida não acarr<strong>et</strong>a, por si só,<br />

dano mor<strong>al</strong> obj<strong>et</strong>ivo, in re ipsa, na medida em que não ofen<strong>de</strong> direito da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>. A configuração <strong>do</strong> dano mor<strong>al</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá<br />

da consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> peculiarida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> caso concr<strong>et</strong>o, a serem <strong>al</strong>egadas e comprovadas nos autos. Com efeito, a jurisprudência tem<br />

entendi<strong>do</strong> caracteriza<strong>do</strong> dano mor<strong>al</strong> quan<strong>do</strong> evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> abuso na forma <strong>de</strong> cobrança, com publicida<strong>de</strong> negativa <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

consumi<strong>do</strong>r, reiteração da cobrança in<strong>de</strong>vida, inscrição em cadastros <strong>de</strong> inadimplentes, protesto, ameaças <strong>de</strong>scabidas, <strong>de</strong>scrédito,<br />

coação, constrangimento, ou interferência m<strong>al</strong>sã na sua vida soci<strong>al</strong>, por exemplo (REsp 326.163-RJ, Quarta Turma, DJ<br />

13/11/2006; e REsp 1.102.787-PR, Terceira Turma, DJe 29/3/2010). Esse entendimento é mais compatível com a dinâmica atu<strong>al</strong><br />

<strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> pagamento, por meio <strong>de</strong> cartões e intern<strong>et</strong>, os quais facilitam a circulação <strong>de</strong> bens, mas, por outro la<strong>do</strong>, ensejam<br />

frau<strong>de</strong>s, as quais, quan<strong>do</strong> ocorrem, <strong>de</strong>vem ser coibidas, propician<strong>do</strong>-se o ressarcimento <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong> na exata medida <strong>do</strong> prejuízo”<br />

(STJ – REsp 1.550.509/RJ – Rel. Min. Maria Isabel G<strong>al</strong>lotti – j. 03.03.2016 – DJe 14.03.2016).<br />

O que se concluiu, acertadamente, é que o mero <strong>de</strong>scumprimento <strong>do</strong> negócio <strong>de</strong> consumo ou a má-prestação <strong>do</strong> serviço, por si,<br />

não gera dano mor<strong>al</strong> ao consumi<strong>do</strong>r. Pelo bom senso, pela equida<strong>de</strong> e pelas máximas <strong>de</strong> experiência, <strong>de</strong>ve estar evi<strong>de</strong>nciada a<br />

lesão aos direitos da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>, para que se possa f<strong>al</strong>ar em dano imateri<strong>al</strong> reparável. Isso, para que o nobre instituto <strong>do</strong> dano<br />

mor<strong>al</strong> não caia em <strong>de</strong>sprestígio.<br />

Um caso em que a lesão a direito da person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> parece estar presente diz respeito à situação concr<strong>et</strong>a em que o consumi<strong>do</strong>r<br />

envia uma carta registrada que não atinge o seu <strong>de</strong>stinatário. Como bem pontuou a Segunda Seção <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça,<br />

em acórdão publica<strong>do</strong> no ano <strong>de</strong> 2015, “a contratação <strong>de</strong> serviços postais ofereci<strong>do</strong>s pelos Correios, por meio <strong>de</strong> tarifa especi<strong>al</strong>,<br />

para envio <strong>de</strong> carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão <strong>de</strong> postagem revela a existência <strong>de</strong> contrato<br />

<strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> a fornece<strong>do</strong>ra respon<strong>de</strong>r obj<strong>et</strong>ivamente ao cliente por danos morais advin<strong>do</strong>s da f<strong>al</strong>ha <strong>do</strong> serviço quan<strong>do</strong> não<br />

comprovada a ef<strong>et</strong>iva entrega. É incontroverso que o embarga<strong>do</strong> sofreu danos morais <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> extravio <strong>de</strong> sua<br />

correspondência, motivo pelo qu<strong>al</strong> o montante in<strong>de</strong>nizatório fixa<strong>do</strong> em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi<br />

manti<strong>do</strong> pelo acórdão proferi<strong>do</strong> pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena <strong>de</strong> enriquecimento sem causa” (STJ – EREsp<br />

1.097.266/PB – Rel. Min. Ricar<strong>do</strong> Villas Bôas Cueva – Segunda Seção – j. 10.12.2014 – DJe 24.02.2015). Lamenta-se apenas o<br />

v<strong>al</strong>or que foi fixa<strong>do</strong> a título <strong>de</strong> reparação imateri<strong>al</strong>, irrisório na opinião <strong>de</strong>ste autor.<br />

Assim, <strong>de</strong>ve-se atentar para louvável ampliação <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> dano mor<strong>al</strong>, em que está presente um aborrecimento relevante,<br />

notadamente pela perda <strong>do</strong> tempo útil. Essa ampliação <strong>de</strong> situações danosas, inconcebíveis no passa<strong>do</strong>, representa um caminhar<br />

para a reflexão da responsabilida<strong>de</strong> civil sem dano, na nossa opinião. Como bem exposto por Vitor Guglinski, “a ocorrência

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!