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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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Por outro la<strong>do</strong>, apesar <strong>de</strong> certa divergência, aos órgãos especi<strong>al</strong>iza<strong>do</strong>s cria<strong>do</strong>s pela Defensoria Pública já vinha se<br />

reconhecen<strong>do</strong> a legitimida<strong>de</strong> para a propositura <strong>de</strong> ações col<strong>et</strong>ivas em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos col<strong>et</strong>ivos e individuais homogêneos <strong>do</strong>s<br />

consumi<strong>do</strong>res 157 , ainda que não se possa afirmar que a aceitação era tranquila, existin<strong>do</strong> inclusive <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong><br />

Justiça em senti<strong>do</strong> contrário 158 , apesar <strong>de</strong> notadamente em menor número.<br />

Não obstante a divergência, enten<strong>do</strong> que a legitimida<strong>de</strong> ora an<strong>al</strong>isada está amparada na previsão contida no art. 82, III, <strong>do</strong><br />

CDC, que ao prever a legitimida<strong>de</strong> ativa inclui expressamente órgãos da administração pública, dir<strong>et</strong>a e indir<strong>et</strong>a, ainda que sem<br />

person<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> jurídica 159 . Além <strong>de</strong>ssa expressa previsão leg<strong>al</strong>, a referida legitimação encontra amparo nos arts. 6.º, VIII (princípio<br />

da facilitação da <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res), e 83 (princípio da instrument<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> máxima <strong>do</strong> processo <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r), ambos <strong>do</strong><br />

CDC160, e no art. 4.º, XI, da LC 80/1994 161 .<br />

Ainda que a Defensoria Pública, mesmo sem expressa previsão leg<strong>al</strong>, já viesse ingressan<strong>do</strong> com ações col<strong>et</strong>ivas antes da Lei<br />

11.448/2007, sua inclusão no rol <strong>de</strong> legitima<strong>do</strong>s ativos foi um marco expressivo em termos <strong>de</strong> aperfeiçoamento da proteção<br />

jurisdicion<strong>al</strong> <strong>do</strong>s direitos col<strong>et</strong>ivos lato sensu. Contra a expressa inclusão da Defensoria Pública entre os legitima<strong>do</strong>s ativos<br />

col<strong>et</strong>ivos foi proposta ação dir<strong>et</strong>a <strong>de</strong> inconstitucion<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>, apresentada pela Associação Nacion<strong>al</strong> <strong>do</strong>s Membros <strong>do</strong> Ministério<br />

Público – CONAMP.<br />

Nessa ação dir<strong>et</strong>a <strong>de</strong> inconstitucion<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> havia uma cumulação <strong>de</strong> pedi<strong>do</strong>s na forma subsidiária. Como pedi<strong>do</strong> princip<strong>al</strong>, a<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucion<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>do</strong> art. 5.º, II, da Lei 7.347/1985 (LACP), com redução <strong>de</strong> texto e, subsidiariamente, em<br />

interpr<strong>et</strong>ação conforme o texto constitucion<strong>al</strong>, que fosse <strong>de</strong>clarada a ilegitimida<strong>de</strong> da Defensoria Pública para a propositura <strong>de</strong><br />

ações col<strong>et</strong>ivas que tivessem como obj<strong>et</strong>o direitos difusos, limitan<strong>do</strong> sua atuação às ações col<strong>et</strong>ivas cujos obj<strong>et</strong>os fossem os direitos<br />

col<strong>et</strong>ivos e individuais homogêneos vincula<strong>do</strong>s a carentes econômicos.<br />

Referida ação foi julgada tot<strong>al</strong>mente improce<strong>de</strong>nte, com expressa menção <strong>de</strong> que o reconhecimento da legitimida<strong>de</strong> ativa da<br />

Defensoria Pública não traz qu<strong>al</strong>quer prejuízo institucion<strong>al</strong> ao Ministério Público 162 .<br />

Estava claro que uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucion<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> com redução <strong>de</strong> texto pelos argumentos utiliza<strong>do</strong>s em referida ação<br />

dir<strong>et</strong>a <strong>de</strong> inconstitucion<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> não merecia prosperar. A <strong>al</strong>egada violação aos arts. 5.º, LXXIV, e 134, ambos da CF, tentava extrair<br />

<strong>do</strong> texto constitucion<strong>al</strong> <strong>al</strong>go que dificilmente ele quis dizer. A <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s necessita<strong>do</strong>s prevista pelo art. 134 da CF, “na forma <strong>do</strong><br />

art. 5.º, LXXIV”, da CF, que prevê a “assistência jurídica integr<strong>al</strong> e gratuita aos que comprovarem insuficiência <strong>de</strong> recursos”, não<br />

<strong>de</strong>ve ser interpr<strong>et</strong>ada restritivamente, limitan<strong>do</strong>-se àqueles que individu<strong>al</strong>mente comprovarem o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> carência financeira.<br />

Ainda que se exija no caso concr<strong>et</strong>o a comprovação <strong>de</strong> hipossuficiência econômica, certamente ela não precisará ser feita<br />

individu<strong>al</strong>mente, o que já seria o suficiente para legitimar a Defensoria Pública a litigar em nome próprio na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> grupo, classe<br />

ou categoria <strong>de</strong> pessoas com notória carência financeira163.<br />

Ações col<strong>et</strong>ivas como a proposta pela Defensoria Pública <strong>de</strong> São Paulo na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesse <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jardim<br />

Pantan<strong>al</strong>, o qu<strong>al</strong> ficou mais <strong>de</strong> <strong>do</strong>is meses submerso em lo<strong>do</strong> e lama em razão <strong>de</strong> chuvas torrenciais, natur<strong>al</strong>mente aten<strong>de</strong>m à<br />

exigência constitucion<strong>al</strong>, pois supõe-se que, se as pessoas não fossem economicamente necessitadas, não residiriam em loc<strong>al</strong><br />

frequentemente castiga<strong>do</strong> pelas chuvas. Diga-se o mesmo da ação col<strong>et</strong>iva proposta pela Defensoria Pública da União em Belém,<br />

na <strong>de</strong>fesa col<strong>et</strong>iva <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentes que vivem em situação <strong>de</strong> risco nas ruas da cida<strong>de</strong> 164 .<br />

Como pedi<strong>do</strong> subsidiário da ação ora an<strong>al</strong>isada, constava a pr<strong>et</strong>ensão <strong>de</strong> interpr<strong>et</strong>ação conforme a Constituição para que a<br />

Defensoria Pública só tivesse legitimida<strong>de</strong> para a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitos col<strong>et</strong>ivos e individuais homogêneos, sempre com vinculação à<br />

hipossuficiência econômica <strong>do</strong>s beneficia<strong>do</strong>s 165 . Esse pedi<strong>do</strong> era mais interessante porque tocava, ainda que indir<strong>et</strong>amente, no<br />

ponto princip<strong>al</strong> da legitimida<strong>de</strong> da Defensoria Pública: existirá para ela a chamada “pertinência temática”? E, haven<strong>do</strong>, em que<br />

termos será exigida?<br />

No julgamento da referida ação dir<strong>et</strong>a <strong>de</strong> inconstitucion<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> proposta pela CONAMP a respeito da legitimida<strong>de</strong> da<br />

Defensoria Pública no processo col<strong>et</strong>ivo, o Supremo Tribun<strong>al</strong> Fe<strong>de</strong>r<strong>al</strong> enten<strong>de</strong>u que a presença <strong>de</strong> hipossuficientes econômicos<br />

entre os membros da col<strong>et</strong>ivida<strong>de</strong> ou da comunida<strong>de</strong> (grupo, classe, categoria ou pessoas no direito col<strong>et</strong>ivo ou indivíduos titulares<br />

<strong>do</strong> direito individu<strong>al</strong> homogêneo) já era razão suficiente para legitimar a Defensoria Pública para a propositura da ação col<strong>et</strong>iva.<br />

A limitação da <strong>de</strong>fesa exclusiva <strong>de</strong> hipossuficientes econômicos no âmbito da tutela <strong>do</strong>s direitos difusos e col<strong>et</strong>ivos seria<br />

significativamente limita<strong>do</strong>ra para a Defensoria Pública, em razão da indivisibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses direitos. No tocante à tutela <strong>de</strong> direito<br />

difuso, o art. 5.º, II, da Lei 7.347/1985 (LACP) seria inaplicável, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se que na col<strong>et</strong>ivida<strong>de</strong> tutelada nessa espécie <strong>de</strong><br />

direito sempre haverá sujeitos não carentes <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista econômico166. Resumin<strong>do</strong>, a col<strong>et</strong>ivida<strong>de</strong> per<strong>de</strong>ria mais um<br />

legitima<strong>do</strong> – em <strong>al</strong>gumas loc<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>s extremamente organiza<strong>do</strong> e especi<strong>al</strong>iza<strong>do</strong> – na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus direitos difusos em juízo.<br />

No tocante à tutela <strong>de</strong> direito col<strong>et</strong>ivo, a limitação também seria significativa, porque, apesar <strong>de</strong> existirem grupos, classes e<br />

categorias <strong>de</strong> pessoas formadas exclusivamente <strong>de</strong> hipossuficientes econômicos, haveria insuperável dificulda<strong>de</strong> na i<strong>de</strong>ntificação<br />

não só <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os sujeitos que compõem esse grupo, classe ou categoria, como também seria extremamente difícil a comprovação

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