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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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exageros sociais, com quebra da ética particular, presente estará o abuso <strong>de</strong> direito, com a consequente responsabilização civil <strong>do</strong><br />

abusa<strong>do</strong>r.<br />

No presente contexto, surge o tema relativo à cobrança <strong>de</strong> dívidas em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínio edilício. Como exposto no Capítulo<br />

3 <strong>de</strong>sta obra, não há relação <strong>de</strong> consumo entre o condômino e o con<strong>do</strong>mínio, pela f<strong>al</strong>ta <strong>de</strong> <strong>al</strong>terida<strong>de</strong>. Sen<strong>do</strong> assim, o art. 42 <strong>do</strong> CDC<br />

não se aplica às relações con<strong>do</strong>miniais. O controle das condutas está sujeito ao transcrito art. 187 <strong>do</strong> CC/2002, ten<strong>do</strong> como<br />

parâm<strong>et</strong>ro a função soci<strong>al</strong>, a boa-fé obj<strong>et</strong>iva ou os bons costumes. Com o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> respeito ao posicionamento em contrário, enten<strong>de</strong>se<br />

que a mera exposição, na prestação <strong>de</strong> contas mensais <strong>do</strong> con<strong>do</strong>mínio, da relação das unida<strong>de</strong>s inadimplentes não constitui<br />

cobrança vexatória, mas sim um exercício regular <strong>de</strong> um direito. Na verda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se f<strong>al</strong>ar até em <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informação por parte <strong>do</strong><br />

síndico, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as suas atribuições como administra<strong>do</strong>r-ger<strong>al</strong>. Por esse caminho, colaciona-se:<br />

“Exercício regular <strong>do</strong> direito que não expôs o inadimplente a constrangimento. Cumprimento <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestar contas perante<br />

to<strong>do</strong>s os condôminos e justificar o aumento da quota con<strong>do</strong>mini<strong>al</strong> mens<strong>al</strong> inclusive em razão <strong>do</strong>s débitos daquela unida<strong>de</strong>. Recurso<br />

da autora improvi<strong>do</strong>” (TJSP – Apelação 992.05.070861-8 – Acórdão 4635729, Ribeirão Pr<strong>et</strong>o – Vigésima Sétima Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />

Priva<strong>do</strong> – Rel. Des. Campos P<strong>et</strong>roni – j. 10.08.2010 – DJESP 27.08.2010).<br />

“In<strong>de</strong>nização por danos morais. Simples relação funcion<strong>al</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r <strong>do</strong> con<strong>do</strong>mínio em forma contábil não justifica pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>nização por dano mor<strong>al</strong>. Recurso não provi<strong>do</strong>” (TJSP – Apelação 994.06.026808-0 – Acórdão 4587091, São Paulo – Sétima<br />

Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong> – Rel. Des. Gilberto <strong>de</strong> Souza Moreira – j. 30.06.2010 – DJESP 19.07.2010).<br />

O que não se po<strong>de</strong> admitir é que o con<strong>do</strong>mínio afixe em loc<strong>al</strong> visível o nome daqueles que são inadimplentes, o que, sem<br />

dúvidas, configura o abuso <strong>de</strong> direito civil, nos termos da lei ger<strong>al</strong> privada. Nesse sentir:<br />

“Apelação cível. Danos morais. Con<strong>do</strong>mínio. Apresentação e afixação <strong>de</strong> lista com nome <strong>do</strong>s inadimplentes em quadro <strong>de</strong> avisos <strong>do</strong><br />

edifício. Abuso <strong>de</strong> direito. Exposição <strong>de</strong>snecessária. No exercício <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> exigir o pagamento, cabe ao cre<strong>do</strong>r escolher as vias<br />

a<strong>de</strong>quadas, ten<strong>do</strong> a cautela <strong>de</strong> não expor o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r ao ridículo ou a situações vexatórias, sen<strong>do</strong> que os meios utiliza<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vem ser<br />

razoáveis, cumprin<strong>do</strong>-se evitar providências que excedam o necessário para a satisfação <strong>do</strong> crédito. A afixação na entrada <strong>de</strong> prédio<br />

em con<strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> lista conten<strong>do</strong> o nome <strong>de</strong> condôminos inadimplentes, sem qu<strong>al</strong>quer intuito <strong>de</strong> prestar contas ou <strong>de</strong> cientificar os<br />

<strong>de</strong>ve<strong>do</strong>res, caracteriza ato ilícito em razão <strong>do</strong> abuso <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> cobrança. Os danos experimenta<strong>do</strong>s pelos apelantes, consistente em<br />

saber que tiveram seus nomes expostos, são passíveis <strong>de</strong> ser in<strong>de</strong>niza<strong>do</strong>s por configurar ofensa à esfera íntima e à honra da pessoa”<br />

(TJMG – Apelação Cível 1.0720.02.006672-9/001, Viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco – Décima Quarta Câmara Cível – Rel. Des. Elias<br />

Camilo – j. 08.03.2007 – DJMG 30.03.2007).<br />

“In<strong>de</strong>nização por danos morais. Cobrança vexatória em con<strong>do</strong>mínio. Colocação <strong>de</strong> lista <strong>de</strong> inadimplentes em edit<strong>al</strong> entre os<br />

eleva<strong>do</strong>res sociais. Exposição <strong>de</strong> situação particular a pessoas <strong>al</strong>heias a socieda<strong>de</strong> con<strong>do</strong>mini<strong>al</strong>. Caracterização <strong>do</strong> dano mor<strong>al</strong>.<br />

Sentença reformada. Recurso conheci<strong>do</strong> e provi<strong>do</strong>” (TJPR – Recurso 230968-0 – Acórdão 1767, Curitiba – Décima Oitava Câmara<br />

Cível – Rel. Des. Sérgio Roberto N. Rolanski – j. 17.08.2005).<br />

De toda sorte, <strong>de</strong>ve ficar claro que o <strong>de</strong>bate relativo ao con<strong>do</strong>mínio edilício não envolve o art. 42 <strong>do</strong> CDC, pois não se situa a<br />

relação entre esse e os seus componentes na órbita da relação jurídica <strong>de</strong> consumo.<br />

Seguin<strong>do</strong> no estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> último coman<strong>do</strong> consumerista, não po<strong>de</strong> o vulnerável negoci<strong>al</strong> ser subm<strong>et</strong>i<strong>do</strong> a qu<strong>al</strong>quer tipo <strong>de</strong> coação,<br />

pressão física que vicia a sua vonta<strong>de</strong>. Em diálogo das fontes, servem como parâm<strong>et</strong>ros os dispositivos da lei ger<strong>al</strong> privada que<br />

tratam <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>feito <strong>do</strong> negócio jurídico. Para começar, o conceito <strong>de</strong> coação po<strong>de</strong> ser r<strong>et</strong>ira<strong>do</strong> <strong>do</strong> art. 151 <strong>do</strong> CC/2002, a saber: “A<br />

coação, para viciar a <strong>de</strong>claração da vonta<strong>de</strong>, há <strong>de</strong> ser t<strong>al</strong> que incuta ao paciente funda<strong>do</strong> temor <strong>de</strong> dano iminente e consi<strong>de</strong>rável à<br />

sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família <strong>do</strong> paciente, o<br />

juiz, com base nas circunstâncias, <strong>de</strong>cidirá se houve coação”. No plano consumerista, em vez da anulabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ato<br />

correspon<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>ve-se reconhecer o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar pela prática abusiva. Eventu<strong>al</strong>mente, se a permissão da coação constar em<br />

um contrato, a cláusula correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ve ser reconhecida como nula, por abusivida<strong>de</strong>, por força <strong>do</strong> art. 51 da Lei 8.078/1990.<br />

Cabe a análise in concr<strong>et</strong>o da coação na cobrança <strong>de</strong> dívidas, levan<strong>do</strong>-se em conta as características gerais <strong>do</strong> coagi<strong>do</strong>. Em<br />

outras p<strong>al</strong>avras, nos termos <strong>do</strong> art. 152 <strong>do</strong> CC/2002, ao apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a ida<strong>de</strong>, a condição, a saú<strong>de</strong>, o<br />

temperamento <strong>do</strong> paciente (o consumi<strong>do</strong>r), e todas as <strong>de</strong>mais circunstâncias que possam influir na gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la. Por razões<br />

óbvias, em haven<strong>do</strong> um consumi<strong>do</strong>r hipervulnerável (v.g., i<strong>do</strong>so) análise da coação <strong>de</strong>ve ser mais contun<strong>de</strong>nte.<br />

Ato contínuo <strong>de</strong> diálogo, também na ótica consumerista não se consi<strong>de</strong>ram coação o mero temor reverenci<strong>al</strong> (receio <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sapontar uma pessoa querida ou próxima) e o exercício norm<strong>al</strong> <strong>de</strong> um direito (art. 153 <strong>do</strong> CC/2002). Como exercício regular <strong>de</strong><br />

direito, mencione-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inscrição em cadastro <strong>de</strong> inadimplentes ou <strong>de</strong> protesto <strong>de</strong> dívida quan<strong>do</strong> a dívida re<strong>al</strong>mente<br />

existe. Em casos tais, a comunicação prévia não constitui um abuso <strong>de</strong> direito, mas um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r. A temática será<br />

abordada no próximo capítulo <strong>de</strong>ste livro.

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