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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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10.3.3.6. Atipicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s meios executivos<br />

Segun<strong>do</strong> a melhor <strong>do</strong>utrina, tutela específica “é aquela que confere ao autor o cumprimento da obrigação inadimplida, seja a<br />

obrigação <strong>de</strong> entregar coisa, pagar soma em dinheiro, fazer ou não fazer”71. Já tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afirmar que, “se toman<strong>do</strong><br />

por base o critério da coincidência <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s gera<strong>do</strong>s pela prestação da tutela jurisdicion<strong>al</strong> com os resulta<strong>do</strong>s que seriam<br />

gera<strong>do</strong>s pela satisfação voluntária da obrigação, a tutela jurisdicion<strong>al</strong> po<strong>de</strong> ser classificada em tutela específica e tutela pelo<br />

equiv<strong>al</strong>ente em dinheiro. Na primeira, a satisfação gerada pela prestação jurisdicion<strong>al</strong> é exatamente a mesma que seria gerada<br />

com o cumprimento voluntário da obrigação, enquanto na segunda, a tutela jurisdicion<strong>al</strong> prestada é diferente da natureza da<br />

obrigação e, por consequência, cria um resulta<strong>do</strong> distinto daquele que seria cria<strong>do</strong> com a sua satisfação voluntária”72.<br />

O princípio da atipicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s meios executivos permite que o juiz utilize meios executivos mesmo quan<strong>do</strong> não exista<br />

expressa previsão leg<strong>al</strong> a seu respeito. Nas p<strong>al</strong>avras da <strong>do</strong>utrina, “t<strong>al</strong> princípio é consagra<strong>do</strong> na regra leg<strong>al</strong> <strong>de</strong> que o juiz po<strong>de</strong>rá,<br />

em cada caso concr<strong>et</strong>o, utilizar o meio executivo que lhe parecer mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para dar, <strong>de</strong> forma justa e ef<strong>et</strong>iva, a tutela<br />

jurisdicion<strong>al</strong> executiva. Por isso, não estará adstrito ao juiz seguir o itinerário <strong>de</strong> meios executivos previstos pelo legisla<strong>do</strong>r,<br />

senão porque po<strong>de</strong>rá lançar mão <strong>de</strong> medidas necessárias – e nada <strong>al</strong>ém disso – para re<strong>al</strong>izar a norma concr<strong>et</strong>a.” 73<br />

O princípio da atipicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s meios executivos está consagra<strong>do</strong> nos arts. 84, § 5.º, <strong>do</strong> CDC. Como se po<strong>de</strong> constar da redação<br />

<strong>do</strong> dispositivo leg<strong>al</strong>, o legisla<strong>do</strong>r, ao <strong>de</strong>screver medidas necessárias à obtenção da tutela específica, indica um rol meramente<br />

exemplificativo, o que é incontestável diante da expressão “tais como”, utilizada antes da indicação da “multa por atraso, busca e<br />

apreensão, remoção <strong>de</strong> pessoas e coisas, <strong>de</strong>sfazimento <strong>de</strong> obras e impedimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> nociva”.<br />

No senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser meramente exemplificativo o rol <strong>de</strong> meios executivos previstos em lei, o entendimento <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong><br />

<strong>de</strong> Justiça:<br />

“Processu<strong>al</strong> civil. Administrativo. Recurso especi<strong>al</strong>. Tratamento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e fornecimento <strong>de</strong> medicamentos a necessita<strong>do</strong>.<br />

Obrigação <strong>de</strong> fazer. Fazenda Pública. Inadimplemento. Cominação <strong>de</strong> multa diária. Astreintes. Incidência <strong>do</strong> meio <strong>de</strong> coerção.<br />

Bloqueio <strong>de</strong> verbas públicas. Medida executiva. Possibilida<strong>de</strong>, in casu. Pequeno v<strong>al</strong>or. Art. 461, § 5.º, <strong>do</strong> CPC. Rol exemplificativo<br />

<strong>de</strong> medidas. Proteção constitucion<strong>al</strong> à saú<strong>de</strong>, à vida e à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. Primazia sobre princípios <strong>de</strong> direito financeiro<br />

e administrativo. Novel entendimento da E. Primeira Turma. 1. Ação Ordinária c/c pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela antecipada ajuizada em face <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> Sul, obj<strong>et</strong>ivan<strong>do</strong> o fornecimento <strong>de</strong> medicamento <strong>de</strong> uso contínuo e urgente a paciente sem condição <strong>de</strong><br />

adquiri-lo. 2. A função das astreintes é vencer a obstinação <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r ao cumprimento da obrigação e inci<strong>de</strong> a partir da ciência <strong>do</strong><br />

obriga<strong>do</strong> e da sua rec<strong>al</strong>citrância. 3. In casu, consoante se infere <strong>do</strong>s autos, trata-se obrigação <strong>de</strong> fazer, consubstanciada no<br />

fornecimento <strong>de</strong> medicamento a pessoa necessitada, cuja imposição das astreintes obj<strong>et</strong>iva assegurar o cumprimento da <strong>de</strong>cisão<br />

judici<strong>al</strong> e consequentemente resguardar o direito à saú<strong>de</strong>. 4. ‘Consoante entendimento consolida<strong>do</strong> neste Tribun<strong>al</strong>, em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

obrigação <strong>de</strong> fazer, é permiti<strong>do</strong> ao juízo da execução, <strong>de</strong> ofício ou a requerimento da parte, a imposição <strong>de</strong> multa cominatória ao<br />

<strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r, mesmo que seja contra a Fazenda Pública’ (AgRgREsp 189.108/SP – Rel. Min. Gilson Dipp – DJ 02.04.2001). 5.<br />

Prece<strong>de</strong>ntes jurispru<strong>de</strong>nciais <strong>do</strong> STJ: REsp 490.228/RS – DJ 31.05.2004; AgRgREsp 440.686/RS – DJ 16.12.2002; AGREsp<br />

554.776/SP – DJ 06.10.2003; AgRgREsp 189.108/SP – DJ 02.04.2001; e AgRgAg 334.301/SP – DJ 05.02.2001. 6. Depreen<strong>de</strong>-se<br />

<strong>do</strong> art. 461, § 5.º, <strong>do</strong> CPC, que o legisla<strong>do</strong>r, ao possibilitar ao juiz, <strong>de</strong> ofício ou a requerimento, d<strong>et</strong>erminar as medidas<br />

assecuratórias como a ‘imposição <strong>de</strong> multa por tempo <strong>de</strong> atraso, busca e apreensão, remoção <strong>de</strong> pessoas e coisas, <strong>de</strong>sfazimento <strong>de</strong><br />

obras e impedimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> nociva, se necessário com requisição <strong>de</strong> força polici<strong>al</strong>’, não o fez <strong>de</strong> forma taxativa, mas sim<br />

exemplificativa, pelo que, in casu, o sequestro ou bloqueio da verba necessária à aquisição <strong>de</strong> medicamento obj<strong>et</strong>o da tutela<br />

in<strong>de</strong>ferida, providência excepcion<strong>al</strong> a<strong>do</strong>tada em face da urgência e imprescindibilida<strong>de</strong> da prestação <strong>do</strong>s mesmos, revela-se medida<br />

legítima, válida e razoável. 7. Deveras, é lícito ao julga<strong>do</strong>r, à vista das circunstâncias <strong>do</strong> caso concr<strong>et</strong>o, aferir o mo<strong>do</strong> mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong><br />

para tornar ef<strong>et</strong>iva a tutela, ten<strong>do</strong> em vista o fim da norma e a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão leg<strong>al</strong> <strong>de</strong> todas as hipóteses fáticas.<br />

Máxime diante <strong>de</strong> situação fática, na qu<strong>al</strong> a <strong>de</strong>sídia <strong>do</strong> ente estat<strong>al</strong>, frente ao coman<strong>do</strong> judici<strong>al</strong> emiti<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> resultar em grave lesão<br />

à saú<strong>de</strong> ou mesmo pôr em risco a vida <strong>do</strong> <strong>de</strong>mandante. 8. Os direitos fundamentais à vida e à saú<strong>de</strong> são direitos subj<strong>et</strong>ivos<br />

in<strong>al</strong>ienáveis, constitucion<strong>al</strong>mente consagra<strong>do</strong>s, cujo prima<strong>do</strong>, em um Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> como o nosso, que reserva<br />

especi<strong>al</strong> proteção à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, há <strong>de</strong> superar quaisquer espécies <strong>de</strong> restrições legais. Não obstante o fundamento<br />

constitucion<strong>al</strong>, in casu, merece <strong>de</strong>staque a Lei Estadu<strong>al</strong> 9.908/1993, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, que assim dispõe em seu art.<br />

1.º: ‘Art. 1.º O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve fornecer, <strong>de</strong> forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não pu<strong>de</strong>rem prover as<br />

<strong>de</strong>spesas com os referi<strong>do</strong>s medicamentos, sem privarem-se <strong>do</strong>s recursos indispensáveis ao próprio sustento e <strong>de</strong> sua família.<br />

Parágrafo único. Consi<strong>de</strong>ram-se medicamentos excepcionais aqueles que <strong>de</strong>vem ser usa<strong>do</strong>s com frequência e <strong>de</strong> forma permanente,<br />

sen<strong>do</strong> indispensáveis à vida <strong>do</strong> paciente’. 9. A Constituição não é ornament<strong>al</strong>, não se resume a um museu <strong>de</strong> princípios, não é<br />

meramente um i<strong>de</strong>ário; reclama ef<strong>et</strong>ivida<strong>de</strong> re<strong>al</strong> <strong>de</strong> suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese <strong>de</strong>ve<br />

partir <strong>do</strong>s princípios fundamentais, para os princípios s<strong>et</strong>oriais. E, sob esse ângulo, merece <strong>de</strong>staque o princípio fundante da<br />

República que <strong>de</strong>stina especi<strong>al</strong> proteção à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. 10. Outrossim, a tutela jurisdicion<strong>al</strong> para ser ef<strong>et</strong>iva <strong>de</strong>ve<br />

dar ao lesa<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> prático equiv<strong>al</strong>ente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio <strong>de</strong> coerção tem<br />

v<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> capaz <strong>de</strong> subjugar a rec<strong>al</strong>citrância <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r. O Po<strong>de</strong>r Judiciário não <strong>de</strong>ve compactuar com o proce<strong>de</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

que, con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis à proteção da saú<strong>de</strong> e da vida <strong>de</strong> cidadão<br />

necessita<strong>do</strong>, revela-se indiferente à tutela judici<strong>al</strong> <strong>de</strong>ferida e aos v<strong>al</strong>ores fundamentais por ele eclipsa<strong>do</strong>s. 11. In casu, a <strong>de</strong>cisão ora

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