3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)
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Na hipótese <strong>de</strong> direito difuso e col<strong>et</strong>ivo, é fácil constatar a inexistência <strong>de</strong> litispendência entre a ação col<strong>et</strong>iva e a ação<br />
individu<strong>al</strong> em razão da diferença <strong>de</strong> partes em ambas as ações. Importante s<strong>al</strong>ientar que nessa análise entre diferentes processos<br />
<strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar a parte no senti<strong>do</strong> materi<strong>al</strong>, e não no senti<strong>do</strong> processu<strong>al</strong>, <strong>de</strong> forma que, haven<strong>do</strong> substituição processu<strong>al</strong> em<br />
hipótese <strong>de</strong> legitimação extraordinária concorrente, a propositura <strong>de</strong> novo processo com a mesma parte contrária, mesma causa <strong>de</strong><br />
pedir e mesmo pedi<strong>do</strong>, ainda que com outra parte processu<strong>al</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o mesmo direito já <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> anteriormente, não afasta a<br />
existência <strong>de</strong> litispendência.<br />
Na comparação entre ações col<strong>et</strong>ivas em que se busca tutelar direitos difusos e col<strong>et</strong>ivos, a parte materi<strong>al</strong> será sempre a<br />
col<strong>et</strong>ivida<strong>de</strong> no primeiro caso e uma comunida<strong>de</strong> (grupo, classe ou categoria <strong>de</strong> pessoas) em outro, e na ação individu<strong>al</strong> será<br />
sempre o indivíduo. Essa diferença <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito já é o suficiente para se concluir pela inexistência <strong>de</strong> litispendência,<br />
nos termos <strong>do</strong> art. 104 <strong>do</strong> CDC. Ainda que <strong>de</strong>sinteressante para fins <strong>de</strong> comparação <strong>de</strong> ações, as partes processuais que comporão o<br />
polo ativo também serão diferentes.<br />
Quan<strong>do</strong> a ação col<strong>et</strong>iva tiver como obj<strong>et</strong>o um direito individu<strong>al</strong> homogêneo, também haverá uma diferença <strong>de</strong> parte, ainda que<br />
parci<strong>al</strong>. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o direito individu<strong>al</strong> homogêneo é a soma <strong>de</strong> direitos individuais, o titular será cada um <strong>do</strong>s indivíduos<br />
titulares <strong>do</strong>s direitos individuais que, soma<strong>do</strong>s, geram o direito processu<strong>al</strong>mente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> col<strong>et</strong>ivo. Nesse caso, se existir uma<br />
ação individu<strong>al</strong>, o autor será também titular <strong>do</strong> direito individu<strong>al</strong> homogêneo, ainda que parci<strong>al</strong>mente. Enten<strong>do</strong> que essa diferença<br />
<strong>de</strong> parte, ainda que parci<strong>al</strong>, já seja o suficiente para que também nesse caso não exista litispendência. Por outro la<strong>do</strong>, o pedi<strong>do</strong> da<br />
ação col<strong>et</strong>iva será sempre em favor <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os titulares <strong>do</strong>s direitos individuais, ao passo que na ação individu<strong>al</strong> o pedi<strong>do</strong> só<br />
po<strong>de</strong>rá ser feito em benefício <strong>do</strong> autor, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a inexistência <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> para que pleiteie em juízo direitos <strong>de</strong> terceiros.<br />
Registre-se que, mesmo para a parcela da <strong>do</strong>utrina que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a existência <strong>de</strong> litispendência entre a ação col<strong>et</strong>iva que versa<br />
sobre direito individu<strong>al</strong> homogêneo e a ação individu<strong>al</strong>, a especi<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> procediment<strong>al</strong> consagrada no art. 104 <strong>do</strong> CDC para a tutela<br />
col<strong>et</strong>iva impe<strong>de</strong> a extinção da ação individu<strong>al</strong>.<br />
Há, entr<strong>et</strong>anto, uma hipótese em que será possível a existência <strong>de</strong> uma ação individu<strong>al</strong> e <strong>de</strong> uma ação col<strong>et</strong>iva. Conforme<br />
<strong>de</strong>vidamente an<strong>al</strong>isa<strong>do</strong> no item 11.2.7, por opção legislativa é cabível ação civil pública para a tutela <strong>de</strong> direito individu<strong>al</strong><br />
indisponível <strong>de</strong> i<strong>do</strong>so, criança, a<strong>do</strong>lescente e porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência. Nesse caso, como o direito tutela<strong>do</strong> na ação col<strong>et</strong>iva é<br />
puramente individu<strong>al</strong>, é possível a litispendência com uma ação individu<strong>al</strong> proposta pelo próprio titular <strong>do</strong> direito. T<strong>al</strong><br />
possibilida<strong>de</strong> é apenas mais uma <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> <strong>de</strong>svirtuamento da utilização da ação col<strong>et</strong>iva para a tutela <strong>de</strong> direito individu<strong>al</strong><br />
indisponível.<br />
11.5.3.<br />
Conexão e continência<br />
11.5.3.1.<br />
Conceito<br />
O fenômeno da conexão vem previsto no art. 55, caput, <strong>do</strong> Novo CPC: “Reputam-se conexas duas ou mais ações quan<strong>do</strong> lhes<br />
for comum o pedi<strong>do</strong> ou a causa <strong>de</strong> pedir”, e o da continência no art. 56 <strong>do</strong> Novo CPC: “Dá-se continência entre duas ou mais ações<br />
quan<strong>do</strong> houver i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> quanto às partes e à causa <strong>de</strong> pedir, mas o obj<strong>et</strong>o <strong>de</strong> uma, por ser mais amplo, abrange o das <strong>de</strong>mais”. Da<br />
própria <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is institutos processuais se percebe com clareza que a continência é uma mera espécie <strong>de</strong> conexão,<br />
consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se que, para que exista entre duas ou mais ações o fenômeno da continência, obrigatoriamente <strong>de</strong>verá haver a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> causa <strong>de</strong> pedir, o que por si só já as torna também conexas. A continência, assim, vai <strong>al</strong>ém da conexão, pois exige<br />
mais requisitos para se ver configurada no caso concr<strong>et</strong>o.<br />
Haven<strong>do</strong> duas ações <strong>de</strong> rescisão contratu<strong>al</strong>, cada qu<strong>al</strong> com uma fundamentação diferente (um contratante <strong>al</strong>ega o<br />
<strong>de</strong>scumprimento e o outro, onerosida<strong>de</strong> excessiva), mas em ambas sen<strong>do</strong> pedida a rescisão <strong>do</strong> contrato, haverá conexão (mesmo<br />
pedi<strong>do</strong>). Da mesma forma, duas ações fundadas no mesmo contrato <strong>de</strong> locação com <strong>do</strong>is pedi<strong>do</strong>s diferentes: loca<strong>do</strong>r pedin<strong>do</strong> o<br />
<strong>de</strong>spejo e o locatário pedin<strong>do</strong> consignação em pagamento (mesma causa <strong>de</strong> pedir, ao menos em parte, o que já é o bastante,<br />
conforme veremos). Exemplo típico <strong>de</strong> continência se verifica na hipótese <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> duas ações, em que na primeira o autor<br />
pe<strong>de</strong> somente a <strong>de</strong>claração da existência da dívida e na segunda pe<strong>de</strong> a con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> réu ao seu pagamento, ou ainda a ação em<br />
que se cobram d<strong>et</strong>erminadas parcelas <strong>de</strong> um contrato, e outra em que se cobra o contrato integr<strong>al</strong>mente.<br />
Como se nota, a conexão e a continência são institutos processuais que somente serão compreendi<strong>do</strong>s em sua integr<strong>al</strong>ida<strong>de</strong><br />
com a <strong>de</strong>vida noção <strong>do</strong>s elementos da ação, responsáveis por sua i<strong>de</strong>ntificação. Assim, para que se possa an<strong>al</strong>isar a existência ou<br />
não <strong>de</strong> tais fenômenos, o opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> direito <strong>de</strong>verá an<strong>al</strong>isar as partes, causa <strong>de</strong> pedir e pedi<strong>do</strong> das ações judiciais para <strong>de</strong>scobrir se<br />
são tot<strong>al</strong>mente idênticos, apenas pareci<strong>do</strong>s ou absolutamente diferentes. A integr<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os elementos<br />
ensejará os fenômenos da litispendência e da coisa julgada, fenômenos <strong>al</strong>heios ao presente estu<strong>do</strong>. A absoluta diversida<strong>de</strong> entre<br />
to<strong>do</strong>s os elementos ou a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> exclusiva das partes não gerarão qu<strong>al</strong>quer efeito digno <strong>de</strong> nota, também sen<strong>do</strong> excluídas da<br />
presente análise. Restam, portanto, as <strong>de</strong>mandas que contenham i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> causa <strong>de</strong> pedir ou <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> – parecidas, portanto.