05.05.2017 Views

3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

como fundamentos as cláusulas gerais da função soci<strong>al</strong> <strong>do</strong> contrato e da boa-fé obj<strong>et</strong>iva, fundadas nas teorias da base <strong>do</strong> negócio<br />

(Larenz) e da culpa in contrahen<strong>do</strong> (Ihering).32<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista prático, a função soci<strong>al</strong> <strong>do</strong> contrato constitui um regramento que tem tanto uma eficácia interna (entre as<br />

partes contratantes) quanto uma eficácia externa (para <strong>al</strong>ém das partes contratantes). Essa dupla eficácia <strong>do</strong> princípio foi<br />

reconhecida quan<strong>do</strong> das Jornadas <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, promovidas pelo Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>r<strong>al</strong> e pelo Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong><br />

Justiça. Como não po<strong>de</strong>ria ser diferente, tais conclusões têm plena aplicação na órbita <strong>do</strong>s contratos <strong>de</strong> consumo. Ora, se os<br />

contratos civis estão subm<strong>et</strong>i<strong>do</strong>s a tais premissas, o que dizer, então, <strong>do</strong>s contratos <strong>de</strong> consumo? No último plano, a eficiência <strong>do</strong><br />

princípio se justifica ainda mais, pois, como bem leciona Claudia Lima Marques, o CDC é uma lei <strong>de</strong> função soci<strong>al</strong>, que traz<br />

“como consequência modificações profundas nas relações juridicamente relevantes na socieda<strong>de</strong>, em especi<strong>al</strong> quan<strong>do</strong> esta lei,<br />

como o CDC, introduz um rol <strong>de</strong> direitos (…). No caso <strong>do</strong> CDC, esta lei <strong>de</strong> função soci<strong>al</strong> intervém <strong>de</strong> maneira imperativa em<br />

relações jurídicas <strong>de</strong> direito priva<strong>do</strong>, antes <strong>do</strong>minadas pela ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autonomia da vonta<strong>de</strong>”. 33<br />

Sobre a eficácia externa <strong>do</strong> princípio, quan<strong>do</strong> da I Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2002, aprovou-se o Enuncia<strong>do</strong> n. 21,<br />

estabelecen<strong>do</strong>-se que a função soci<strong>al</strong> <strong>do</strong> contrato representa uma exceção ao princípio da relativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong> contrato,<br />

possibilitan<strong>do</strong> a tutela externa <strong>do</strong> crédito, ou seja, a eficácia <strong>do</strong> contrato perante terceiros. 34 Como exemplo <strong>de</strong>ssa aplicação, a<br />

jurisprudência <strong>do</strong> STJ vinha enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que a vítima <strong>de</strong> um aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trânsito po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>mandar dir<strong>et</strong>amente a segura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong><br />

culpa<strong>do</strong>, mesmo não haven<strong>do</strong> uma relação contratu<strong>al</strong> <strong>de</strong> fato entre eles. Vejamos um <strong>de</strong>sses acórdãos:<br />

“Processu<strong>al</strong> civil. Recurso especi<strong>al</strong>. Prequestionamento. Aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trânsito. Culpa <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>. Ação in<strong>de</strong>nizatória. Terceiro<br />

prejudica<strong>do</strong>. Segura<strong>do</strong>ra. Legitimida<strong>de</strong> passiva ad causam. Ônus da sucumbência. Sucumbência recíproca. Carece <strong>de</strong><br />

prequestionamento o recurso especi<strong>al</strong> acerca <strong>de</strong> tema não <strong>de</strong>bati<strong>do</strong> no acórdão recorri<strong>do</strong>. A ação in<strong>de</strong>nizatória <strong>de</strong> danos materiais,<br />

advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> atropelamento e morte causa<strong>do</strong>s por segura<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> ser ajuizada dir<strong>et</strong>amente contra a segura<strong>do</strong>ra, que tem<br />

responsabilida<strong>de</strong> por força da apólice securitária e não por ter agi<strong>do</strong> com culpa no aci<strong>de</strong>nte. Os ônus da sucumbência <strong>de</strong>vem ser<br />

proporcion<strong>al</strong>mente distribuí<strong>do</strong>s entre as partes, no caso <strong>de</strong> sucumbência recíproca. Recurso provi<strong>do</strong> na parte em que conheci<strong>do</strong>”<br />

(STJ – REsp 444.716/BA – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 11.05.2004 – DJ 31.05.2004, p. 300).<br />

A <strong>de</strong>cisão transcrita reconhece em seu bojo que a função soci<strong>al</strong> <strong>do</strong>s contratos está estribada no princípio da solidarieda<strong>de</strong><br />

soci<strong>al</strong>, r<strong>et</strong>ira<strong>do</strong> <strong>do</strong> art. 3º, inc. I, da Constituição Fe<strong>de</strong>r<strong>al</strong> <strong>de</strong> 1988. Com isso, ampliam-se as responsabilida<strong>de</strong>s, o que gera o <strong>de</strong>ver<br />

<strong>de</strong> reparar por parte da segura<strong>do</strong>ra, mesmo não ten<strong>do</strong> um contrato assina<strong>do</strong> e firma<strong>do</strong> form<strong>al</strong>mente com a vítima <strong>do</strong> aci<strong>de</strong>nte. De<br />

fato, esse entendimento anterior <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça representava um gran<strong>de</strong> avanço em matéria <strong>de</strong> ampliação <strong>do</strong>s<br />

efeitos contratuais.<br />

Porém, infelizmente, a jurisprudência <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça acabou por rever esse seu entendimento anterior,<br />

passan<strong>do</strong> a concluir que a vítima não po<strong>de</strong> ingressar com ação apenas e dir<strong>et</strong>amente contra a segura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> culpa<strong>do</strong>, mas somente<br />

contra ambos. Vejamos os principais trechos <strong>de</strong> uma das publicações constantes <strong>do</strong> Informativo n. 490 daquela Corte: “Recurso<br />

rep<strong>et</strong>itivo. Seguro <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil. Ajuizamento dir<strong>et</strong>o exclusivamente contra a segura<strong>do</strong>ra. A Seção firmou o<br />

entendimento <strong>de</strong> que <strong>de</strong>scabe ação <strong>do</strong> terceiro prejudica<strong>do</strong> ajuizada, dir<strong>et</strong>a e exclusivamente, em face da segura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> aponta<strong>do</strong><br />

causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano, porque, no seguro <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil facultativo, a obrigação da segura<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> ressarcir os danos sofri<strong>do</strong>s<br />

por terceiros pressupõe a responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>, a qu<strong>al</strong>, <strong>de</strong> regra, não po<strong>de</strong>rá ser reconhecida em <strong>de</strong>manda na qu<strong>al</strong> este<br />

não interveio, sob pena <strong>de</strong> vulneração <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo leg<strong>al</strong> e da ampla <strong>de</strong>fesa. Esse posicionamento fundamenta-se no fato <strong>de</strong><br />

o seguro <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil facultativa ter por fin<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> neutr<strong>al</strong>izar a obrigação <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> em in<strong>de</strong>nizar danos causa<strong>do</strong>s a<br />

terceiros nos limites <strong>do</strong>s v<strong>al</strong>ores contrata<strong>do</strong>s, após a obrigatória verificação da responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> no sinistro. Em<br />

outras p<strong>al</strong>avras, a obrigação da segura<strong>do</strong>ra está sujeita à condição suspensiva que não se implementa pelo simples fato <strong>de</strong> ter<br />

ocorri<strong>do</strong> o sinistro, mas somente pela verificação da eventu<strong>al</strong> obrigação civil <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>. Isso porque o seguro <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> civil facultativo não é espécie <strong>de</strong> estipulação a favor <strong>de</strong> terceiro <strong>al</strong>heio ao negócio, ou seja, quem sofre o prejuízo<br />

não é beneficiário <strong>do</strong> negócio, mas sim o causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano. Acrescente-se, ainda, que o ajuizamento dir<strong>et</strong>o exclusivamente contra<br />

a segura<strong>do</strong>ra ofen<strong>de</strong> os princípios <strong>do</strong> contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa, pois a ré não teria como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se <strong>do</strong>s fatos expostos na<br />

inici<strong>al</strong>, especi<strong>al</strong>mente da <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> sinistro. (…)” (STJ – REsp 962.230/RS – Rel. Min. Luis Felipe S<strong>al</strong>omão – j. 08.02.2012).<br />

A conclusão revisada causa estranheza, eis que, presente a solidarieda<strong>de</strong>, a vítima po<strong>de</strong> escolher contra quem <strong>de</strong>mandar, nos<br />

termos da opção <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda reconhecida pelo art. 275 <strong>do</strong> CC. A<strong>de</strong>mais, a nova posição acaba representan<strong>do</strong> um r<strong>et</strong>rocesso em<br />

relação ao entendimento anterior na perspectiva da função soci<strong>al</strong> <strong>do</strong> contrato e da solidarieda<strong>de</strong> soci<strong>al</strong> que <strong>de</strong>ve guiar todas as<br />

relações negociais. A <strong>de</strong>monstrar a discordância <strong>de</strong> parte da <strong>do</strong>utrina em relação a t<strong>al</strong> mudança <strong>de</strong> posição <strong>do</strong> STJ, na VI Jornada<br />

<strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil (2013) aprovou-se o seguinte enuncia<strong>do</strong>: “o seguro <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil facultativo garante <strong>do</strong>is interesses, o<br />

<strong>do</strong> segura<strong>do</strong> contra os efeitos patrimoniais da imputação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> e o da vítima à in<strong>de</strong>nização, ambos <strong>de</strong>stinatários da<br />

garantia, com pr<strong>et</strong>ensão própria e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte contra a segura<strong>do</strong>ra” (Enuncia<strong>do</strong> n. 544). De toda forma, essa discordância da

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!