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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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incumbe a uma das partes. Examinan<strong>do</strong> as condições <strong>de</strong> fato com base em máximas <strong>de</strong> experiência, o magistra<strong>do</strong> parte <strong>do</strong> curso<br />

norm<strong>al</strong> <strong>do</strong>s acontecimentos, e, porque o fato é ordinariamente a consequência ou o pressuposto <strong>de</strong> um outro fato, em caso <strong>de</strong><br />

existência <strong>de</strong>ste, admite também aquele como existente, a menos que a outra parte <strong>de</strong>monstre o contrário. Assim, não se trata <strong>de</strong><br />

uma autêntica hipótese <strong>de</strong> inversão <strong>do</strong> ônus da prova” 209 .<br />

10.7.3.3.1.2.<br />

Hipossuficiência <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r<br />

O segun<strong>do</strong> requisito para a inversão <strong>do</strong> ônus da prova previsto no art. 6.º, VIII, <strong>do</strong> CDC, é a hipossuficiência <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.<br />

Trata-se <strong>de</strong> requisito bem mais polêmico na <strong>do</strong>utrina que o primeiro, embora seja possível se verificar uma tendência <strong>do</strong>utrinária<br />

majoritária no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que a hipossuficiência exigida pela lei é a técnica.<br />

A condição econômica <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, portanto, é irrelevante, porque mesmo consumi<strong>do</strong>res abasta<strong>do</strong>s, eventu<strong>al</strong>mente em<br />

situação econômica até mais confortável que a <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r, po<strong>de</strong>m ter dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso às informações e meios necessários<br />

à produção da prova. Nas corr<strong>et</strong>as p<strong>al</strong>avras <strong>de</strong> Kazuo Watanabe, “ocorren<strong>do</strong>, assim, situação <strong>de</strong> manifesta posição <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r em relação ao consumi<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>corra a conclusão <strong>de</strong> que é muito mais fácil ao fornece<strong>do</strong>r provar a sua<br />

<strong>al</strong>egação, po<strong>de</strong>rá o juiz proce<strong>de</strong>r à inversão <strong>do</strong> ônus da prova”210.<br />

Deve-se, entr<strong>et</strong>anto, ter muito cuida<strong>do</strong> no caso concr<strong>et</strong>o com essa inversão <strong>do</strong> ônus da prova, porque não parece razoável que<br />

com a inversão no caso concr<strong>et</strong>o ao fornece<strong>do</strong>r seja imposto um ônus <strong>do</strong> qu<strong>al</strong> será extremamente difícil, ou até mesmo impossível,<br />

se <strong>de</strong>sincumbir. A superiorida<strong>de</strong> técnica <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ve se manifestar no caso concr<strong>et</strong>o <strong>de</strong> forma que a ele seja viável ou mais<br />

fácil a produção da prova, e quan<strong>do</strong> isso não ocorre é difícil sustentar a hipossuficiência <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.<br />

V<strong>al</strong>e consi<strong>de</strong>rar a respeito <strong>do</strong> tema as lições <strong>de</strong> Cândi<strong>do</strong> Rangel Dinamarco:<br />

“O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r não impõe expressamente qu<strong>al</strong>quer limitação aos efeitos da inversão judici<strong>al</strong> <strong>do</strong> ônus da<br />

prova, ou seja, nele não se vê qu<strong>al</strong>quer v<strong>et</strong>o explícito às inversões que ponham o fornece<strong>do</strong>r diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma probatio<br />

diabolica. Mas, se é ineficaz a inversão exagerada mesmo quan<strong>do</strong> resultante <strong>de</strong> ato voluntário <strong>de</strong> pessoas maiores e capazes (CPC,<br />

art. 333, II), com mais fortes razões sua imposição por <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> juiz não po<strong>de</strong>rá ser eficaz quan<strong>do</strong> for <strong>al</strong>ém <strong>do</strong> razoável e chegar<br />

ao ponto <strong>de</strong> tornar excessivamente difícil ao fornece<strong>do</strong>r o exercício <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>fesa. Eventuais exageros <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m transgrediriam a<br />

garantia constitucion<strong>al</strong> da ampla <strong>de</strong>fesa e consequentemente comprom<strong>et</strong>eriam a superior promessa <strong>de</strong> dar tutela jurisdicion<strong>al</strong> a quem<br />

tiver razão (acesso à justiça)” 211 .<br />

No mesmo senti<strong>do</strong> se manifestou o Ministro <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça Luiz Felipe S<strong>al</strong>omão, ao afirmar em voto que,<br />

“ainda que se trate <strong>de</strong> relação regida pelo CDC, não se concebe inverter-se o ônus da prova para, r<strong>et</strong>iran<strong>do</strong> t<strong>al</strong> incumbência <strong>de</strong><br />

quem po<strong>de</strong>ria fazê-lo mais facilmente, atribuí-la a quem, por impossibilida<strong>de</strong> lógica e natur<strong>al</strong>, não o conseguiria” 212 .<br />

Re<strong>al</strong>mente essa é uma situação que não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada. Quan<strong>do</strong> a inversão <strong>do</strong> ônus <strong>de</strong> uma prova gerar ao<br />

fornece<strong>do</strong>r dificulda<strong>de</strong> extrema ou até mesmo <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir a prova, não será caso <strong>de</strong> inversão se o consumi<strong>do</strong>r<br />

pu<strong>de</strong>r se <strong>de</strong>sincumbir <strong>do</strong> ônus <strong>de</strong>ssa prova. Deve se levar a sério a espécie <strong>de</strong> hipossuficiência exigida pelo art. 6.º, VIII, <strong>do</strong> CDC,<br />

que não tem vinculação à notória vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r diante o fornece<strong>do</strong>r, mas sim a maior facilida<strong>de</strong> na produção da<br />

prova. Ora, se a maior facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir a prova é <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, o hipossuficiente nesse caso é o fornece<strong>do</strong>r! E assim sen<strong>do</strong>,<br />

insista-se, não é caso <strong>de</strong> inversão <strong>do</strong> ônus da prova.<br />

Deve-se levar em consi<strong>de</strong>ração interessante apontamento <strong>do</strong> Ministro <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça em voto já menciona<strong>do</strong>:<br />

“a facilitação da <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>finitivamente, não significa facilitar a procedência <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> por ele<br />

<strong>de</strong>duzi<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> em vista – no que concerne à inversão <strong>do</strong> ônus da prova – tratar-se <strong>de</strong> dispositivo vocaciona<strong>do</strong> à elucidação <strong>do</strong>s<br />

fatos narra<strong>do</strong>s pelo consumi<strong>do</strong>r, transferin<strong>do</strong> t<strong>al</strong> incumbência a quem, em tese, possua melhores condições <strong>de</strong> fazê-lo.”213<br />

A lição é interessante porque corr<strong>et</strong>amente aponta para a fin<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> da inversão <strong>do</strong> ônus da prova: proporcionar uma maior<br />

facilida<strong>de</strong> na produção da prova, com o que o juiz se aproximará mais da verda<strong>de</strong> e proferirá uma <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> melhor qu<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Em nenhum momento a inversão <strong>de</strong>ve ser regra voltada à vitória <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r em juízo, porque o que se obj<strong>et</strong>iva é a busca da<br />

verda<strong>de</strong> que, natur<strong>al</strong>mente, nem sempre está ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.<br />

Não tenho dúvida a respeito da aplicação <strong>do</strong> art. 373, § 2.º, <strong>do</strong> Novo CPC à inversão ora an<strong>al</strong>isada na seara consumerista. Se o<br />

motivo da inversão em ambos os casos é a hipossuficiência técnica da parte, é consequência natur<strong>al</strong> que, em ambas, a inversão não<br />

acarr<strong>et</strong>e dificulda<strong>de</strong> insuperável para a parte contrária. Nos termos <strong>do</strong> dispositivo ora an<strong>al</strong>isa<strong>do</strong>, a redistribuição <strong>do</strong> ônus da prova<br />

não po<strong>de</strong> gerar situação em que a <strong>de</strong>sincumbência <strong>do</strong> encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.<br />

A situação é bem mais complexa se a hipótese enseja uma extrema dificulda<strong>de</strong> ou impossibilida<strong>de</strong> recíproca na produção da<br />

prova, que atinge tanto o consumi<strong>do</strong>r como o fornece<strong>do</strong>r. O que fazer se o fato dificilmente po<strong>de</strong>rá ser prova<strong>do</strong> por ambas as<br />

partes que participaram da relação <strong>de</strong> direito materi<strong>al</strong> consumerista? Inverter o ônus é sacrificar sem chance <strong>de</strong> reação o

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