05.05.2017 Views

3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

apoio:<br />

“A proposta pr<strong>et</strong>en<strong>de</strong> dar redação mais compl<strong>et</strong>a ao dispositivo, acrescentan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e compatibilizan<strong>do</strong><br />

o art. 423 com o que já dispõe o art. 54 <strong>do</strong> CDC. A sugestão, aqui, é <strong>do</strong> Desembarga<strong>do</strong>r Jones Figueirê<strong>do</strong> Alves, como <strong>al</strong>iás são todas<br />

as outras a seguir expostas, no que se refere à matéria contratu<strong>al</strong>. Diz ele: ‘O princípio <strong>de</strong> interpr<strong>et</strong>ação contratu<strong>al</strong> mais favorável ao<br />

a<strong>de</strong>rente <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> isonômica estabelecen<strong>do</strong> em seus fins uma igu<strong>al</strong>da<strong>de</strong> substanci<strong>al</strong> re<strong>al</strong> entre os contratantes’. É que,<br />

como lembra Georges Ripert, ‘o único ato <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> a<strong>de</strong>rente consiste em colocar-se em situação t<strong>al</strong> que a lei da outra parte é<br />

soberana. E, quan<strong>do</strong> pratica aquele ato <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, o a<strong>de</strong>rente é leva<strong>do</strong> a isso pela imperiosa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratar’. O dispositivo,<br />

ao preceituar a sua aplicação, todavia, em casos <strong>de</strong> cláusulas obscuras ou ambíguas, vem limitá-lo a essas hipóteses, o que contraria o<br />

avanço trazi<strong>do</strong> pelo art. 47 <strong>do</strong> CDC, preven<strong>do</strong> o princípio aplica<strong>do</strong> a todas as cláusulas contratuais. O a<strong>de</strong>rente, como sujeito da<br />

relação contratu<strong>al</strong>, <strong>de</strong>ve receber idêntico tratamento da<strong>do</strong> ao consumi<strong>do</strong>r, diante <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> da igu<strong>al</strong>da<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato que estimula o<br />

princípio, razão pela qu<strong>al</strong> se impõe a <strong>al</strong>teração <strong>do</strong> dispositivo”.95<br />

A proposta é louvável, por afastar a confusão conceitu<strong>al</strong> entre os conceitos <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> consumo e <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, muito comum<br />

na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência, como se verá a seguir.<br />

Como visto, não há como afastar o contrato da constante ingerência exercida pelo meio soci<strong>al</strong>. Nesse contexto se situa o<br />

contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, que constitui um fenômeno há muito tempo percebi<strong>do</strong> pela teoria contratu<strong>al</strong>. Notório é que, com a evolução da<br />

socieda<strong>de</strong>, passou-se exigir uma maior celerida<strong>de</strong> e intensida<strong>de</strong> das relações negociais, surgin<strong>do</strong>, nesse contexto, a estandardização.<br />

Orlan<strong>do</strong> Gomes, em obra específica sobre o assunto, lembra que as exigências práticas da vida econômica, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

circulação intensa <strong>de</strong> bens e <strong>de</strong> capit<strong>al</strong>, entre outros fatores, consolidaram <strong>de</strong> forma plena essa figura contratu<strong>al</strong>. Anote-se que o<br />

notável jurista <strong>de</strong>fine contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são como “o negócio jurídico no qu<strong>al</strong> a participação <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s sujeitos suce<strong>de</strong> pela aceitação<br />

em bloco <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> cláusulas formuladas antecipadamente, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> ger<strong>al</strong> e abstrato, pela outra parte, para constituir o<br />

conteú<strong>do</strong> normativo e obrigacion<strong>al</strong> <strong>de</strong> futuras relações concr<strong>et</strong>as”.96<br />

Maria Helena Diniz prefere utilizar a expressão contratos por a<strong>de</strong>são para <strong>de</strong>nominar o contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, “verifican<strong>do</strong> que se<br />

constitui pela a<strong>de</strong>são da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um oblato ind<strong>et</strong>ermina<strong>do</strong> à oferta permanente <strong>do</strong> proponente ostensivo”. Desse mo<strong>do</strong>, “os<br />

contratos por a<strong>de</strong>são constituem uma oposição à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> contrato paritário, por inexistir a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> convenção, visto que<br />

excluem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qu<strong>al</strong>quer <strong>de</strong>bate e transigência entre as partes, uma vez que um <strong>do</strong>s contratantes se limita a aceitar as<br />

cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro (RT, 795:234, 519:163; JB, 158:263), a<strong>de</strong>rin<strong>do</strong> a uma situação<br />

contratu<strong>al</strong> já <strong>de</strong>finida em to<strong>do</strong>s os seus termos”. 97<br />

Compreen<strong>de</strong>m-se perfeitamente as razões técnicas apontadas pela eminente civilista. Porém, pela terminologia utilizada tanto<br />

pelo Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r (art. 54) quanto pelo Código Civil <strong>de</strong> 2002 (arts. 423 e 424), prefere-se a expressão<br />

contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são. Na re<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se dizer que as expressões contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e contratos por a<strong>de</strong>são são sinônimas,<br />

conclusão essa que tem a fin<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inclusão da proteção <strong>do</strong> vulnerável contratu<strong>al</strong>.<br />

Este autor não se filia, portanto, à clássica distinção <strong>de</strong> Orlan<strong>do</strong> Gomes, por não ser condizente com a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

jurídica. Para ele, “o que caracteriza o contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são propriamente dito é a circunstância <strong>de</strong> que aquela a quem é proposto não<br />

po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> contratar, porque tem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> satisfazer a um interesse que, por outro mo<strong>do</strong>, não po<strong>de</strong> ser atendi<strong>do</strong>”. Há,<br />

portanto, no contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são um monopólio, não presente no contrato por a<strong>de</strong>são, presente a última figura nos <strong>de</strong>mais casos em<br />

que o conteú<strong>do</strong> é imposto por uma das partes, <strong>de</strong> forma tot<strong>al</strong> ou parci<strong>al</strong>. 98<br />

Ora, se fosse feita a diferenciação <strong>do</strong> clássico jurista, os dispositivos <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong> a<strong>de</strong>rente (arts. 423 e 424 <strong>do</strong> CC e art. 54 <strong>do</strong><br />

CDC) não se aplicariam aos contratos por a<strong>de</strong>são, mas somente aos contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, aqueles que apresentam um monopólio no<br />

conteú<strong>do</strong>. Isso contraria o princípio da função soci<strong>al</strong> <strong>do</strong>s contratos, eis que a intenção <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r foi proteger to<strong>do</strong>s os a<strong>de</strong>rentes<br />

que tiveram contra si a imposição <strong>de</strong> cláusulas contratuais, <strong>de</strong> forma ampla ou restrita.<br />

Não se olvi<strong>de</strong> que os arts. 423 e 424 <strong>do</strong> CC/2002, ao protegerem o a<strong>de</strong>rente como vulnerável contratu<strong>al</strong>, trazem como conteú<strong>do</strong><br />

a eficácia interna da função soci<strong>al</strong> <strong>do</strong> contrato. O primeiro dispositivo, como visto, consagra a interpr<strong>et</strong>ação pro a<strong>de</strong>rente. O último<br />

transpõe para os contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são a excelente experiência relativa às cláusulas abusivas nos contratos <strong>de</strong> consumo, estabelecen<strong>do</strong><br />

a nulida<strong>de</strong> absoluta das cláusulas <strong>de</strong> renúncia a um direito inerente ao negócio. É importante s<strong>al</strong>ientar, para essa conclusão, que os<br />

princípios têm uma notável função <strong>de</strong> integração, <strong>de</strong> interpr<strong>et</strong>ação e correção <strong>do</strong> sistema. Com a diferenciação <strong>do</strong>s contratos <strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>são e por a<strong>de</strong>são, portanto, po<strong>de</strong>ríamos chegar a situações injustas, em clara lesão ao princípio constitucion<strong>al</strong> da isonomia.<br />

Em suma, po<strong>de</strong>-se dizer que o contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são é aquele em que uma parte, o estipulante, impõe o conteú<strong>do</strong> negoci<strong>al</strong>,<br />

restan<strong>do</strong> à outra parte, o a<strong>de</strong>rente, duas opções: aceitar ou não o conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse negócio. Esse conceito <strong>de</strong>ve ser visto em senti<strong>do</strong><br />

amplo, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a englobar todas as figuras negociais em que as cláusulas são preestabelecidas ou predispostas, caso <strong>do</strong> contratotipo<br />

e <strong>do</strong> contrato formulário, categorias em que as cláusulas são pred<strong>et</strong>erminadas até por um terceiro. Como se sabe, os últimos<br />

contratos até são comerci<strong>al</strong>iza<strong>do</strong>s, em <strong>al</strong>guns casos (v.g., mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> contratos vendi<strong>do</strong>s em papelarias ou pela intern<strong>et</strong>).<br />

Os parágrafos <strong>do</strong> art. 54 <strong>do</strong> Código Consumerista compl<strong>et</strong>am essa categorização. Inici<strong>al</strong>mente, o seu § 1º preceitua que a

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!