3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)
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A questão <strong>do</strong> reconhecimento <strong>de</strong> matérias <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública <strong>de</strong> ofício é tema que sempre <strong>de</strong>spertou a atenção da <strong>do</strong>utrina<br />
processu<strong>al</strong>ista. Fazen<strong>do</strong> a análise sob a ótica das nulida<strong>de</strong>s, dividin<strong>do</strong>-as em absolutas, relativas e anulabilida<strong>de</strong>s, G<strong>al</strong>eno Lacerda<br />
conclui que “a preclusão no curso <strong>do</strong> processo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, em última análise, da disponibilida<strong>de</strong> da parte em relação à matéria<br />
<strong>de</strong>cidida. Se indisponível a questão, a ausência <strong>de</strong> recurso não impe<strong>de</strong> o reexame pelo juiz. Se disponível, a f<strong>al</strong>ta <strong>de</strong> impugnação<br />
importa concordância tácita à <strong>de</strong>cisão. Firma-se o efeito preclusivo não só para as partes, mas também para o juiz, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
que vedada se torna a r<strong>et</strong>ratação”14.<br />
Uma vez <strong>de</strong>cidida a questão em sentença, não haverá possibilida<strong>de</strong> materi<strong>al</strong> <strong>de</strong> o juiz reconsi<strong>de</strong>rar sua <strong>de</strong>cisão, reputan<strong>do</strong> que,<br />
não haven<strong>do</strong> recurso, a <strong>de</strong>cisão transitará em julga<strong>do</strong> e, sen<strong>do</strong> recorrida a sentença, o juízo <strong>de</strong> r<strong>et</strong>ratação é excepcion<strong>al</strong>, sen<strong>do</strong><br />
cabível somente nas hipóteses <strong>de</strong> in<strong>de</strong>ferimento da p<strong>et</strong>ição inici<strong>al</strong> (art. 331 <strong>do</strong> Novo CPC) e julgamento liminar <strong>de</strong> improcedência<br />
(art. 332 <strong>do</strong> Novo CPC). O tema é mais interessante quan<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong> às <strong>de</strong>cisões interlocutórias irrecorridas.<br />
É da própria concepção da preclusão tempor<strong>al</strong> a conclusão <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>cisões interlocutórias não recorridas impossibilitam<br />
posterior discussão. Se a parte interessada não exerceu o ônus <strong>de</strong> recorrer, <strong>de</strong>ve então sofrer as consequências prejudiciais <strong>de</strong> sua<br />
omissão. Com relação a isso, nenhuma dúvida po<strong>de</strong> ser posta, sob pena <strong>de</strong> extinção <strong>do</strong> próprio instituto da preclusão.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, tratan<strong>do</strong> da temática apresentada, Arruda Alvim conclui que “com recurso especificamente estabeleci<strong>do</strong> para as<br />
hipóteses <strong>de</strong> inconformismo com a mesma, <strong>de</strong>corre imediatamente a consequência <strong>de</strong> que, em princípio e como regra ger<strong>al</strong>, o que<br />
foi obj<strong>et</strong>o <strong>de</strong> apreciação no sanea<strong>do</strong>r sofre preclusão. Significa-se com isto que a matéria expressamente <strong>de</strong>cidida no sanea<strong>do</strong>r não<br />
po<strong>de</strong>rá – s<strong>al</strong>vo recurso – ser reexaminada no processo”15.<br />
A <strong>do</strong>utrina majoritária é concor<strong>de</strong> com t<strong>al</strong> conclusão, já que, sempre que se <strong>de</strong>bate acerca da ausência <strong>de</strong> efeito preclusivo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisão interlocutória, as questões na esfera <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong> da parte não são obj<strong>et</strong>o <strong>de</strong> controvérsia, e sim aquelas matérias<br />
imperativas, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, que se situam, portanto, acima <strong>do</strong> interesse das partes e loc<strong>al</strong>izam-se, na verda<strong>de</strong>, no campo <strong>do</strong><br />
interesse da própria prestação jurisdicion<strong>al</strong> 16 . Também esse parece ser o entendimento <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça, que vem<br />
quase uniformemente <strong>de</strong>cidin<strong>do</strong> pela não preclusão das questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública 17 .<br />
13.4.<br />
OBJEÇÕES E NATUREZA DE ORDEM PÚBLICA DAS NORMAS<br />
CONSUMERISTAS<br />
Conforme já afirma<strong>do</strong>, o art. 1.º da Lei 8.078/1990 prevê que todas as normas previstas no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r<br />
são <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública e <strong>de</strong> interesse soci<strong>al</strong>. A questão que <strong>de</strong>ve ser respondida é se <strong>de</strong>vem ser tratadas no processo como objeções<br />
substanciais, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, nesse caso, serem conhecidas <strong>de</strong> ofício, não suportan<strong>do</strong> a preclusão.<br />
Não são poucos os <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m esse tratamento processu<strong>al</strong> para as matérias consumeristas:<br />
“Tanto assim que toda a matéria constante da legislação <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser examinada pelo juiz ex officio,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> requerimento expresso da parte. Além <strong>do</strong> que, a respeito <strong>de</strong>sta matéria <strong>de</strong>batida judici<strong>al</strong>mente, não ocorre<br />
preclusão, circunstância que permite a sua apreciação a qu<strong>al</strong>quer tempo e grau <strong>de</strong> jurisdição. E por se tratar <strong>de</strong> matéria <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
pública, aberta está ao juízo recurs<strong>al</strong> a possibilida<strong>de</strong> até mesmo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir com a reformatio in pejus, justamente em atenção a este<br />
estágio na hierarquia normativa <strong>do</strong> qu<strong>al</strong> goza o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r”18.<br />
O tema tem enorme interesse prático no que se refere às cláusulas contratuais abusivas, porque a<strong>do</strong>tada a tese ora exposta a<br />
nulida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>cr<strong>et</strong>ada <strong>de</strong> ofício pelo juiz, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da provocação da parte nesse senti<strong>do</strong>. Para Nelson Nery Jr.,<br />
“no regime jurídico <strong>do</strong> CDC, as cláusulas abusivas são nulas <strong>de</strong> pleno direito porque contrariam a or<strong>de</strong>m pública <strong>de</strong> proteção ao<br />
consumi<strong>do</strong>r. Isso quer dizer que as nulida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m ser reconhecidas a qu<strong>al</strong>quer tempo e grau <strong>de</strong> jurisdição, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o juiz ou<br />
tribun<strong>al</strong> pronunciá-las ex officio, porque normas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública insusc<strong>et</strong>íveis <strong>de</strong> preclusão” 19 .<br />
Registre-se, entr<strong>et</strong>anto, a existência <strong>de</strong> corrente <strong>do</strong>utrinária que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que, apesar da natureza <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública das normas<br />
consumeristas, elas não serão tratadas como objeções substanciais no processo, caben<strong>do</strong> à parte interessada sua <strong>al</strong>egação<br />
tempestiva sob pena <strong>de</strong> preclusão, <strong>al</strong>ém <strong>de</strong> não ser permiti<strong>do</strong> ao juízo seu reconhecimento <strong>de</strong> ofício.<br />
Nas p<strong>al</strong>avras <strong>de</strong> Ricar<strong>do</strong> Aprigliano, “a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cláusulas em contratos <strong>de</strong> consumo configura matéria <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, o<br />
que significa que as partes não po<strong>de</strong>m celebrar negócios que contenham conteú<strong>do</strong>s veda<strong>do</strong>s pela lei, que a interpr<strong>et</strong>ação <strong>de</strong>stes<br />
contratos será sempre re<strong>al</strong>izada visan<strong>do</strong> o sistema <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, para afastar seus efeitos em todas as <strong>de</strong>mandas<br />
judiciais que tenham por obj<strong>et</strong>o o contrato, em que discuta justamente o caráter abusivo <strong>de</strong>stas mesmas cláusulas”20.<br />
Esse, portanto, o senti<strong>do</strong> da natureza <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública prevista pelo art. 1.º da Lei 8.078/1990 aplicável ao art. 51 <strong>do</strong> mesmo<br />
diploma leg<strong>al</strong>. Não significa que o juiz possa <strong>de</strong>cidir a esse respeito sem a <strong>de</strong>vida provocação <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>, porque, assim o<br />
fazen<strong>do</strong>, estaria violan<strong>do</strong> uma quantida<strong>de</strong> razoável <strong>de</strong> matérias <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública <strong>de</strong> natureza processu<strong>al</strong>, o que não parece, à luz da<br />
<strong>do</strong>utrina exposta, sustentável: