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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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Com o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> respeito, lamenta-se essa tomada <strong>de</strong> curso pelo Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça, que parece <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a corr<strong>et</strong>a<br />

ef<strong>et</strong>ivação <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r-fiduciante, na gran<strong>de</strong> maioria das vezes enquadra<strong>do</strong> como consumi<strong>do</strong>r. Em reforço, a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> purgação da mora não está em sintonia com o princípio da conservação <strong>do</strong>s negócios jurídicos, segun<strong>do</strong> o qu<strong>al</strong> a<br />

extinção <strong>do</strong>s pactos <strong>de</strong>ve ser a última medida a ser tomada, mormente diante <strong>de</strong> sua inegável função soci<strong>al</strong>, preservan<strong>do</strong>-se ao<br />

máximo a autonomia privada.<br />

Seguin<strong>do</strong> na abordagem <strong>do</strong>s contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, o § 3º <strong>do</strong> art. 54 <strong>do</strong> CDC d<strong>et</strong>ermina que os instrumentos respectivos serão<br />

redigi<strong>do</strong>s em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo <strong>do</strong>ze, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a<br />

facilitar sua compreensão pelo consumi<strong>do</strong>r. A menção ao tamanho da l<strong>et</strong>ra foi introduzida pela Lei 11.785/2008, diante <strong>de</strong> <strong>al</strong>guns<br />

abusos com<strong>et</strong>i<strong>do</strong>s na prática. Todavia, contata-se que, se a boa educação contratu<strong>al</strong> existisse no Brasil, a norma seria até<br />

<strong>de</strong>snecessária.<br />

O preceito está sincroniza<strong>do</strong> com o outrora estuda<strong>do</strong> art. 46 da Lei Consumerista, que enuncia a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cláusulas<br />

ininteligíveis ou incompreensíveis. Ilustran<strong>do</strong>, o Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça enten<strong>de</strong>u que o contrato <strong>de</strong> seguro médico-hospit<strong>al</strong>ar<br />

que assume a forma <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são <strong>de</strong>ve vir redigi<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma clara, a possibilitar o seu entendimento pelo a<strong>de</strong>rente leigo.<br />

Eventu<strong>al</strong>mente, em caso <strong>de</strong> dúvidas, a interpr<strong>et</strong>ação <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong>ve ser feita da maneira mais propícia ao consumi<strong>do</strong>r (STJ – REsp<br />

311509/SP – Quarta Turma – Rel. Min. Sálvio <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong> Teixeira – j. 03.05.2001 – DJ 25.06.2001, p. 196).<br />

Sem prejuízo <strong>de</strong>sse preceito, preconiza o § 4º <strong>do</strong> art. 54 <strong>do</strong> CDC que as cláusulas que implicarem limitação <strong>de</strong> direito <strong>do</strong><br />

consumi<strong>do</strong>r inseridas em contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são <strong>de</strong>verão ser redigidas com <strong>de</strong>staque, permitin<strong>do</strong> sua imediata e fácil compreensão.<br />

Deve ficar claro que o preceito não afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reconhecer que a cláusula é nula por abusivida<strong>de</strong>, nos termos <strong>do</strong> art.<br />

51 da mesma norma. Fazen<strong>do</strong> incidir a primeira regra, sem prejuízo <strong>de</strong> outras <strong>de</strong>cisões, vejamos julga<strong>do</strong> publica<strong>do</strong> no recente<br />

Informativo n. 463 <strong>do</strong> STJ:<br />

“Cláusula limitativa. Cobertura. Seguro. V<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>. Foi celebra<strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro <strong>de</strong> vida e, apenas quan<strong>do</strong> da entrega <strong>do</strong> manu<strong>al</strong>,<br />

envia<strong>do</strong> após a assinatura da proposta, é que foi informada ao segura<strong>do</strong> a cláusula restritiva <strong>de</strong> direito. Assim, a Turma <strong>de</strong>u<br />

provimento ao recurso por enten<strong>de</strong>r afronta<strong>do</strong> o art. 54, § 4º, <strong>do</strong> CDC, uma vez que a cláusula restritiva <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong>veria ter si<strong>do</strong><br />

informada <strong>de</strong> forma clara e precisa, no momento da contratação. É inegável que a conduta da recorrida m<strong>al</strong>feriu o princípio da boa-fé<br />

contratu<strong>al</strong> consigna<strong>do</strong> não apenas no CDC, mas também no CC/2002. Prece<strong>de</strong>nte cita<strong>do</strong>: REsp 485.760-RJ, DJ 1º.03.2004” (STJ –<br />

REsp 1.219.406-MG – Rel. Min. Luis Felipe S<strong>al</strong>omão – j. 15.02.2011).<br />

A findar este capítulo, cumpre refazer um esclarecimento categórico importante. Infelizmente, como outrora exposto, há certa<br />

confusão na <strong>do</strong>utrina e jurisprudência entre os conceitos <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> consumo e contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são. De fato, tais categorias<br />

muitas vezes não se i<strong>de</strong>ntificam e não <strong>de</strong>vem ser confundidas. Isso porque o conceito <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> consumo é r<strong>et</strong>ira<strong>do</strong> da análise<br />

<strong>do</strong>s arts. 2º e 3º da Lei 8.078/1990, que apontam os elementos da relação jurídica <strong>de</strong> consumo (Capítulo 3 <strong>de</strong>sta obra). Por outra via,<br />

o contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são é aquele em que as cláusulas contratuais são predispostas por uma das partes, <strong>de</strong> forma plena ou restrita,<br />

restan<strong>do</strong> à outra a opção <strong>de</strong> aceitá-las ou não.<br />

V<strong>al</strong>e lembrar: nem to<strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> consumo é <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e nem to<strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são é <strong>de</strong> consumo. Nesse senti<strong>do</strong>, foi<br />

aprovada a nossa proposta <strong>de</strong> enuncia<strong>do</strong> na III Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>r<strong>al</strong> em <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 2004, segun<strong>do</strong> a qu<strong>al</strong> “o contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, menciona<strong>do</strong> nos arts. 423 e 424 <strong>do</strong> novo Código Civil, não se confun<strong>de</strong> com o<br />

contrato <strong>de</strong> consumo” (Enuncia<strong>do</strong> n. 171).<br />

Visu<strong>al</strong>izan<strong>do</strong> em termos práticos, exemplifica-se com uma situação em que uma pessoa adquire um tap<strong>et</strong>e. Ela vai até uma loja<br />

especi<strong>al</strong>izada e discute to<strong>do</strong>s os termos <strong>do</strong> contrato, barganhan<strong>do</strong> o preço e impon<strong>do</strong> até mesmo a data <strong>de</strong> entrega, celebran<strong>do</strong> para<br />

tanto um instrumento sob forma escrita. Essa pessoa é consumi<strong>do</strong>ra, pois é <strong>de</strong>stinatária fática e econômica <strong>do</strong> tap<strong>et</strong>e, mas o contrato<br />

assumiu a forma paritária. Aplica-se to<strong>do</strong> o Código Consumerista, com exceção <strong>do</strong> que consta <strong>do</strong> seu art. 54.<br />

Repisan<strong>do</strong> outro exemplo, em situação oposta, vejamos o caso <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong> franchising, ou franquia. O franquea<strong>do</strong> recebe<br />

toda a estrutura <strong>do</strong> franquea<strong>do</strong>r, que ce<strong>de</strong> inclusive o direito <strong>de</strong> utilização da marca. Nesse contrato, observa-se que o franquea<strong>do</strong><br />

recebe to<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> da avença não como <strong>de</strong>stinatário fin<strong>al</strong> – seja fático ou econômico –, mas como intermediário, para repassar<br />

aos consumi<strong>do</strong>res finais, que irão adquirir seus produtos ou serviços. Esse contrato, obviamente, não assume a forma <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong><br />

consumo, mas, na prática, é contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, eis que o franquea<strong>do</strong>r impõe to<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> pacto. O franquea<strong>do</strong>, assim, não<br />

terá a seu favor a proteção <strong>do</strong> CDC, mas apenas a proteção prevista <strong>do</strong> CC/2002 em prol <strong>do</strong> a<strong>de</strong>rente (arts. 423 e 424).<br />

Aplican<strong>do</strong> essa diferenciação categórica, da jurisprudência superior, recente aresto <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>bateu a<br />

v<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cláusula compromissória <strong>de</strong> arbitragem inserida em contrato <strong>de</strong> franquia. Nos termos <strong>do</strong> aresto, a nulida<strong>de</strong> não se daria<br />

pela incidência <strong>do</strong> CDC, mas por interpr<strong>et</strong>ação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> art. 4º da Lei <strong>de</strong> Arbitragem.<br />

Conforme o <strong>de</strong>cisum, “o contrato <strong>de</strong> franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras prot<strong>et</strong>ivas previstas no CDC, pois não<br />

há relação <strong>de</strong> consumo, mas <strong>de</strong> fomento econômico. To<strong>do</strong>s os contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, mesmo aqueles que não consubstanciam

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