3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)
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Deve ficar claro que, segun<strong>do</strong> o entendimento majoritário antes transcrito, ao qu<strong>al</strong> o presente autor não se filia, enten<strong>de</strong>-se que<br />
o veículo <strong>de</strong> comunicação não respon<strong>de</strong> pela publicida<strong>de</strong> abusiva. Nesse senti<strong>do</strong>, vejamos recente <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> STJ, a respeito <strong>de</strong><br />
publicida<strong>de</strong> estelionatária:<br />
“Civil. Recurso especi<strong>al</strong>. Ação <strong>de</strong> reparação por danos materiais. Publicação <strong>de</strong> anúncio em classifica<strong>do</strong>s <strong>de</strong> jorn<strong>al</strong>. Ocorrência <strong>de</strong><br />
crime <strong>de</strong> estelionato pelo anunciante. Incidência <strong>do</strong> CDC. Responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> jorn<strong>al</strong>. 1. O recorri<strong>do</strong> ajuizou ação <strong>de</strong> reparação por<br />
danos materiais, em face da recorrente (empresa jorn<strong>al</strong>ística), pois foi vítima <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> estelionato pratica<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> anúncio<br />
em classifica<strong>do</strong>s <strong>de</strong> jorn<strong>al</strong>. 2. Nos contratos <strong>de</strong> compra e venda firma<strong>do</strong>s entre consumi<strong>do</strong>res e anunciantes em jorn<strong>al</strong>, as empresas<br />
jorn<strong>al</strong>ísticas não se enquadram no conceito <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>r, nos termos <strong>do</strong> art. 3º <strong>do</strong> CDC. 3. A responsabilida<strong>de</strong> pelo dano <strong>de</strong>corrente<br />
<strong>do</strong> crime <strong>de</strong> estelionato não po<strong>de</strong> ser imputada à empresa jorn<strong>al</strong>ística, visto que essa não participou da elaboração <strong>do</strong> anúncio,<br />
tampouco <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> compra e venda <strong>do</strong> veículo. 4. O dano sofri<strong>do</strong> pelo consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>u-se em razão <strong>do</strong> pagamento por um<br />
veículo que não foi entregue pelo anunciante, e não pela compra <strong>de</strong> um exemplar <strong>do</strong> jorn<strong>al</strong>. Ou seja: o produto ofereci<strong>do</strong> no anúncio<br />
(veículo) não tem relação com o produto ofereci<strong>do</strong> pela recorrente (publicação <strong>de</strong> anúncios). 5. Assim, a empresa jorn<strong>al</strong>ística não<br />
po<strong>de</strong> ser responsabilizada pelos produtos ou serviços ofereci<strong>do</strong>s pelos seus anunciantes, sobr<strong>et</strong>u<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s anúncios publica<strong>do</strong>s<br />
não se infere qu<strong>al</strong>quer ilicitu<strong>de</strong>. 6. Destarte, inexiste nexo caus<strong>al</strong> entre a conduta da empresa e o dano sofri<strong>do</strong> pela vítima <strong>do</strong><br />
estelionato. 7. Recurso especi<strong>al</strong> conheci<strong>do</strong> e provi<strong>do</strong>” (STJ – REsp 1046241/SC – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j.<br />
12.08.2010 – DJe 19.08.2010).<br />
Outro exemplo <strong>de</strong> abusivida<strong>de</strong> envolve a publicida<strong>de</strong> discriminatória, prevista expressamente no texto consumerista, o que<br />
gera muitas vezes discussões administrativas. Entre as <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong> Conselho Nacion<strong>al</strong> <strong>de</strong> Regulamentação Publicitária (CONAR),<br />
po<strong>de</strong> ser extraída ementa <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2009, que tratou <strong>de</strong> preconceito contra os portugueses. Transcreve-se a <strong>de</strong>cisão para as <strong>de</strong>vidas<br />
reflexões:<br />
“‘Arno Laveo’. Representação n. 441/08. Autor: CONAR, a partir <strong>de</strong> queixa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Anunciante: Arno. Relatora:<br />
Conselheira Cristina <strong>de</strong> Bonis. Segunda Câmara. Decisão: Arquivamento. Fundamento: art. 27, n. 1, l<strong>et</strong>ra a <strong>do</strong> Rice. Consumi<strong>do</strong>ra<br />
<strong>de</strong> Santo André, no ABC paulista, reclamou ao CONAR <strong>do</strong> comerci<strong>al</strong> <strong>de</strong> TV veicula<strong>do</strong> pela Arno. De acor<strong>do</strong> com a queixa, no<br />
referi<strong>do</strong> anúncio há menção <strong>de</strong>smerece<strong>do</strong>ra e até mesmo discriminatória com relação a d<strong>et</strong>erminada <strong>et</strong>nia, pelo uso <strong>de</strong> música típica<br />
portuguesa associada à conduta pouco inteligente. Além disso, a publicida<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> a <strong>de</strong>núncia, apresenta f<strong>al</strong>ta <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
protagonistas, que acabam provocan<strong>do</strong> a queda <strong>de</strong> obj<strong>et</strong>o <strong>do</strong> <strong>al</strong>to <strong>do</strong> prédio. Para a consumi<strong>do</strong>ra, embora a situação tenha si<strong>do</strong><br />
utilizada como recurso humorístico, po<strong>de</strong> constituir-se exemplo ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong> comportamento perigoso. A <strong>de</strong>fesa <strong>al</strong>ega que o<br />
comerci<strong>al</strong>, entendi<strong>do</strong> em seu verda<strong>de</strong>iro senti<strong>do</strong>, nada tem que possa ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um <strong>de</strong>srespeito aos portugueses, até porque<br />
não existe nenhuma menção à origem <strong>do</strong>s personagens. Segun<strong>do</strong> o anunciante, trata-se <strong>de</strong> uma mensagem lúdica e bem-humorada,<br />
na qu<strong>al</strong> aparece uma cena caricata, fantasiosa, <strong>de</strong> um cas<strong>al</strong> que tenta lavar um ventila<strong>do</strong>r com uma mangueira. O apelo, como<br />
argumenta a <strong>de</strong>fesa, apenas ajuda a <strong>de</strong>monstrar os benefícios <strong>do</strong> produto, o ventila<strong>do</strong>r Laveo, fácil <strong>de</strong> <strong>de</strong>smontar e lavar. O relator<br />
concor<strong>do</strong>u com esta linha <strong>de</strong> argumentação, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>, em seu parecer, que o comerci<strong>al</strong> revela uma situação absurda e que não<br />
há como afirmar que se trata <strong>de</strong> uma melodia portuguesa, o que <strong>de</strong>scaracteriza a tese da discriminação. Os membros <strong>do</strong> Conselho <strong>de</strong><br />
Ética acolheram por unanimida<strong>de</strong> o voto pelo arquivamento da representação.”<br />
A <strong>de</strong>cisão administrativa parte da premissa <strong>de</strong> que a mera intenção <strong>de</strong> brincar (animus jocandi), sem maiores consequências <strong>de</strong><br />
lesão a v<strong>al</strong>ores col<strong>et</strong>ivos, não configura a publicida<strong>de</strong> abusiva. Nessa mesma linha <strong>de</strong>cidiu o Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, em<br />
acórdão resumi<strong>do</strong> na seguinte ementa:<br />
“Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r. Propaganda abusiva. Multa. Proporcion<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>. Autuação e imposição <strong>de</strong> multa em razão <strong>de</strong><br />
propaganda consi<strong>de</strong>rada abusiva, que, nos termos <strong>do</strong> art. 37, § 2º <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, é ‘a que incite à violência,<br />
explore o me<strong>do</strong> ou a superstição, se aproveite da <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> julgamento e experiência da criança, <strong>de</strong>srespeita v<strong>al</strong>ores ambientais,<br />
ou que seja capaz <strong>de</strong> induzir o consumi<strong>do</strong>r a se comportar <strong>de</strong> forma prejudici<strong>al</strong> ou perigosa à sua saú<strong>de</strong> ou segurança’.<br />
Descaracterização. Peça publicitária que procurou explorar <strong>de</strong> forma jocosa d<strong>et</strong>erminada situação, não caben<strong>do</strong> subsunção ao cita<strong>do</strong><br />
disposto leg<strong>al</strong>. Recurso provi<strong>do</strong>” (TJSP – Apelação com Revisão 558.085.5/0 – Acórdão 2518907, São Paulo – Sétima Câmara <strong>de</strong><br />
<strong>Direito</strong> Público – Rel. Des. Nogueira Diefenth<strong>al</strong>er – j. 10.03.2008, DJESP 19.06.2008).<br />
Igu<strong>al</strong>mente, na linha <strong>de</strong> afastamento da publicida<strong>de</strong> abusiva, não há discriminação no caso <strong>de</strong> uma publicida<strong>de</strong> que limita a<br />
aquisição <strong>de</strong> um bem <strong>de</strong> consumo a um d<strong>et</strong>ermina<strong>do</strong> número <strong>de</strong> exemplares compatível ao uso familiar. Concluin<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>,<br />
<strong>do</strong> Tribun<strong>al</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
“Compra e venda <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>ria. Propaganda comerci<strong>al</strong>. Restrição ao direito. <strong>Direito</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Inocorrência. Apelação cível.<br />
Consumi<strong>do</strong>r. Publicida<strong>de</strong> que veicula vantagens na aquisição <strong>de</strong> produto a d<strong>et</strong>ermina<strong>do</strong>s s<strong>et</strong>ores <strong>do</strong> comércio, reservan<strong>do</strong>-os em<br />
estoque e limitan<strong>do</strong> a compra a um aparelho por cliente. Alegação <strong>de</strong> infringência a direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, por propaganda abusiva<br />
e discriminatória. Inocorrência. Critério <strong>de</strong> discrímen razoável e proporcion<strong>al</strong>, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se o ramo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> comerci<strong>al</strong><br />
escolhi<strong>do</strong>. Publicida<strong>de</strong> lícita e regular nos mol<strong>de</strong>s <strong>do</strong> CDC. Manutenção da sentença. Improvimento <strong>do</strong> recurso” (TJRJ – Apelação