05.05.2017 Views

3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

DJe 05.09.2008).<br />

Como antes se adiantou, <strong>de</strong>corrência dir<strong>et</strong>a da hipossuficiência é o direito à inversão <strong>do</strong> ônus da prova a favor <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r,<br />

nos termos <strong>do</strong> art. 6º, VIII, da Lei 8.0788/1990, que reconhece como um <strong>do</strong>s direitos básicos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r “a facilitação da<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus direitos, inclusive com a inversão <strong>do</strong> ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quan<strong>do</strong>, a critério <strong>do</strong> juiz, for<br />

verossímil a <strong>al</strong>egação ou quan<strong>do</strong> for ele hipossuficiente, segun<strong>do</strong> as regras ordinárias <strong>de</strong> experiências”. A matéria é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

interesse para a <strong>de</strong>fesa individu<strong>al</strong> e col<strong>et</strong>iva <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res em juízo, assunto que será aprofunda<strong>do</strong> no Capítulo 10 da presente<br />

obra.<br />

De toda sorte, v<strong>al</strong>e rever aquela ilustração anterior. No caso <strong>do</strong> empresário bem-sucedi<strong>do</strong> que adquire um bem para consumo<br />

próprio, será ele consumi<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong>, portanto, vulnerável. Todavia, o enquadramento ou não como hipossuficiente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />

análise das circunstâncias <strong>do</strong> caso concr<strong>et</strong>o. Sen<strong>do</strong> ele <strong>de</strong>sconhece<strong>do</strong>r <strong>do</strong> produto ou serviço que está adquirin<strong>do</strong> – o que, <strong>al</strong>iás, é a<br />

regra no mun<strong>do</strong> prático –, po<strong>de</strong>rá ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> hipossuficiente.<br />

Concluin<strong>do</strong> o presente item, po<strong>de</strong>-se dizer que a hipossuficiência <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r constitui um plus, um <strong>al</strong>go a mais, que traz a<br />

ele mais um benefício, qu<strong>al</strong> seja a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pleitear, no campo judici<strong>al</strong>, a inversão <strong>do</strong> ônus <strong>de</strong> provar, conforme estatui o<br />

art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990. Nesse ponto, cumpre repisar mais uma vez, diferencia-se da vulnerabilida<strong>de</strong>, conceito jurídico<br />

in<strong>de</strong>clinável que justifica toda a proteção constante <strong>do</strong> Código <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, em to<strong>do</strong>s os seus aspectos e seus preceitos.<br />

2.5.<br />

PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA (ART. 4º, INC. III, DA LEI 8.078/1990)<br />

Regramento vit<strong>al</strong> <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, representan<strong>do</strong> seu coração, é o princípio da boa-fé obj<strong>et</strong>iva, constante<br />

da longa redação <strong>do</strong> seu art. 4º, inciso III. Enuncia t<strong>al</strong> coman<strong>do</strong> que constitui um <strong>do</strong>s princípios da Política Nacion<strong>al</strong> das Relações<br />

<strong>de</strong> Consumo a “harmonização <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s participantes das relações <strong>de</strong> consumo e compatibilização da proteção <strong>do</strong><br />

consumi<strong>do</strong>r com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico e tecnológico, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a viabilizar os princípios nos quais se<br />

funda a or<strong>de</strong>m econômica (art. 170 da Constituição Fe<strong>de</strong>r<strong>al</strong>), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre<br />

consumi<strong>do</strong>res e fornece<strong>do</strong>res”. Nesse contexto, nas relações negociais consumeristas <strong>de</strong>ve estar presente o justo equilíbrio, em<br />

uma corr<strong>et</strong>a harmonia entre as partes, em to<strong>do</strong>s os momentos relaciona<strong>do</strong>s com a prestação e o fornecimento.<br />

Dentro <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias, é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância a observação <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> boa-fé, princip<strong>al</strong>mente pela evolução sistemática <strong>de</strong><br />

sua construção. Não se po<strong>de</strong> esquecer que o conceito <strong>de</strong> boa-fé contratu<strong>al</strong> que consta <strong>do</strong> atu<strong>al</strong> Código Civil tem sua raiz na<br />

construção consumerista da Lei 8.078/1990. Justamente por isso, quan<strong>do</strong> da I Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, re<strong>al</strong>izada pelo Conselho da<br />

Justiça Fe<strong>de</strong>r<strong>al</strong> e pelo Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça em 2002, reconheceu-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relacionar a boa-fé obj<strong>et</strong>iva prevista<br />

no Código Civil com a regra constante <strong>do</strong> art. 4º, III, <strong>do</strong> CDC, pelo teor <strong>do</strong> Enuncia<strong>do</strong> n. 27: “na interpr<strong>et</strong>ação da cláusula ger<strong>al</strong> da<br />

boa-fé, <strong>de</strong>ve-se levar em conta o sistema <strong>do</strong> Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores<br />

m<strong>et</strong>ajurídicos”. Nota-se que o enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong>utrinário reconhece a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogos entre as duas leis no que concerne a t<strong>al</strong><br />

princípio, em uma feliz tentativa <strong>de</strong> conexão legislativa.<br />

Como é notório, a boa-fé obj<strong>et</strong>iva representa uma evolução <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> boa-fé, que saiu <strong>do</strong> plano psicológico ou<br />

intencion<strong>al</strong> (boa-fé subj<strong>et</strong>iva), para o plano concr<strong>et</strong>o da atuação humana (boa-fé obj<strong>et</strong>iva). Pelo conceito anterior <strong>de</strong> boa-fé<br />

subj<strong>et</strong>iva, relativo ao elemento intrínseco <strong>do</strong> sujeito da relação negoci<strong>al</strong>, a boa-fé estaria incluída nos limites da vonta<strong>de</strong> da pessoa.<br />

Esse conceito <strong>de</strong> boa-fé subj<strong>et</strong>iva, condiciona<strong>do</strong> somente à intenção das partes, acaba <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong> a conduta, que nada mais é<br />

<strong>do</strong> que a própria concr<strong>et</strong>ização <strong>de</strong>ssa vonta<strong>de</strong>. E como se sabe, conforme o dito popular, não basta ser bem intenciona<strong>do</strong>, pois <strong>de</strong><br />

pessoas bem intencionadas o inferno está cheio.<br />

Cumpre esclarecer que foi com o jusnatur<strong>al</strong>ismo, e toda a influência católica e cristã, que a boa-fé ganhou sua nova fac<strong>et</strong>a,<br />

concernente a conduta <strong>do</strong>s negociantes, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>nominada boa-fé obj<strong>et</strong>iva. Nessa fase, foi fundament<strong>al</strong> o pensamento <strong>de</strong> Hugo<br />

Grotius, que <strong>de</strong>u uma nova dimensão à boa-fé, ao atrelá-la à interpr<strong>et</strong>ação <strong>do</strong>s negócios jurídicos, particularmente no campo<br />

contratu<strong>al</strong>.19 No <strong>Direito</strong> Compara<strong>do</strong>, outros pensa<strong>do</strong>res, como Pufen<strong>do</strong>rf, procuraram trazer a boa-fé para o campo da conduta,<br />

relacionan<strong>do</strong>-a com uma “regra histórica <strong>de</strong> comportamento”. 20 Da subj<strong>et</strong>ivação s<strong>al</strong>tou-se para a obj<strong>et</strong>ivação, o que é consolida<strong>do</strong><br />

pelas codificações privadas europeias.<br />

No BGB Alemão, por exemplo, está prevista a boa-fé obj<strong>et</strong>iva no parágrafo 242, segun<strong>do</strong> o qu<strong>al</strong> o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r está obriga<strong>do</strong> a<br />

cumprir a prestação <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os requisitos <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e boa-fé, levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração os usos e bons costumes. No<br />

<strong>Direito</strong> <strong>al</strong>emão, duas expressões são utilizadas para apontar as mod<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> boa-fé ora expostas. O termo Guten Glauben – que<br />

quer dizer, liter<strong>al</strong>mente, bom pensamento – <strong>de</strong>nota a boa-fé subj<strong>et</strong>iva, enquanto Treu und Glauben – fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e pensamento – a<br />

boa-fé obj<strong>et</strong>iva.<br />

Da atuação concr<strong>et</strong>a das partes na relação contratu<strong>al</strong> é que surge o conceito <strong>de</strong> boa-fé obj<strong>et</strong>iva, que, nas p<strong>al</strong>avras <strong>de</strong> Claudia

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!