05.05.2017 Views

3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

hipossuficiente, como se verá a seguir. Assim, enquadran<strong>do</strong>-se a pessoa como consumi<strong>do</strong>ra, fará jus aos benefícios previstos nesse<br />

importante estatuto jurídico prot<strong>et</strong>ivo. Assim, po<strong>de</strong>-se dizer que a vulnerabilida<strong>de</strong> é elemento posto da relação <strong>de</strong> consumo e não<br />

um elemento pressuposto, em regra.16 O elemento pressuposto é a condição <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r. Vejamos, <strong>de</strong> forma esquematizada:<br />

Sint<strong>et</strong>izan<strong>do</strong>, constata-se que a expressão consumi<strong>do</strong>r vulnerável é pleonástica, uma vez que to<strong>do</strong>s os consumi<strong>do</strong>res têm t<strong>al</strong><br />

condição, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma presunção que não admite discussão ou prova em contrário. Para concr<strong>et</strong>izar, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a melhor<br />

concepção consumerista, uma pessoa po<strong>de</strong> ser vulnerável em d<strong>et</strong>erminada situação – sen<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>ra –, mas em outro caso<br />

concr<strong>et</strong>o po<strong>de</strong>rá não assumir t<strong>al</strong> condição, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> da relação jurídica consubstanciada no caso concr<strong>et</strong>o. A título <strong>de</strong> exemplo,<br />

po<strong>de</strong>-se citar o caso <strong>de</strong> um empresário bem-sucedi<strong>do</strong>. Caso esse empresário adquira um bem <strong>de</strong> produção para sua empresa, não<br />

po<strong>de</strong>rá ser enquadra<strong>do</strong> como <strong>de</strong>stinatário fin<strong>al</strong> <strong>do</strong> produto, não sen<strong>do</strong> um consumi<strong>do</strong>r vulnerável. Entr<strong>et</strong>anto, adquirin<strong>do</strong> um bem<br />

para uso próprio e <strong>de</strong>le não r<strong>et</strong>iran<strong>do</strong> lucro, será consumi<strong>do</strong>r, haven<strong>do</strong> a presunção absoluta <strong>de</strong> sua vulnerabilida<strong>de</strong>.<br />

Por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro, este autor enten<strong>de</strong> que, para se reconhecer a vulnerabilida<strong>de</strong>, pouco importa a situação política, soci<strong>al</strong>,<br />

econômica ou financeira da pessoa, bastan<strong>do</strong> a condição <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r, enquadramento que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da análise <strong>do</strong>s arts. 2º e 3º da<br />

Lei 8.078/1990, para daí <strong>de</strong>correrem to<strong>do</strong>s os benefícios legislativos, na melhor concepção <strong>do</strong> Código Consumerista. Deve-se<br />

<strong>de</strong>ixar claro que enten<strong>de</strong>r que a situação da pessoa natur<strong>al</strong> ou jurídica po<strong>de</strong>rá influir na vulnerabilida<strong>de</strong> é confundir o princípio da<br />

vulnerabilida<strong>de</strong> com o da hipossuficiência, obj<strong>et</strong>o <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> agora.<br />

2.4.<br />

PRINCÍPIO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR (ART. 6º, INC. VIII, DA LEI<br />

8.078/1990)<br />

Ao contrário <strong>do</strong> que ocorre com a vulnerabilida<strong>de</strong>, a hipossuficiência é um conceito fático e não jurídico, funda<strong>do</strong> em uma<br />

disparida<strong>de</strong> ou discrepância notada no caso concr<strong>et</strong>o. Assim sen<strong>do</strong>, to<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r é vulnerável, mas nem to<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r é<br />

hipossuficiente. Logicamente, o significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> hipossuficiência não po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maneira <strong>al</strong>guma, ser an<strong>al</strong>isa<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira restrita,<br />

<strong>de</strong>ntro apenas <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> discrepância econômica, financeira ou política.<br />

A hipossuficiência, conforme ensina a <strong>do</strong>utrina, po<strong>de</strong> ser técnica, pelo <strong>de</strong>sconhecimento em relação ao produto ou serviço<br />

adquiri<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> essa a sua natureza perceptível na maioria <strong>do</strong>s casos. Nessa linha, aponta Roberto Senise Lisboa que “O<br />

reconhecimento judici<strong>al</strong> da hipossuficiência <strong>de</strong>ve ser feito, <strong>de</strong>starte, à luz da situação socioeconômica <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r perante o<br />

fornece<strong>do</strong>r (hipossuficiência fática). Todavia, a hipossuficiência fática não é a única mod<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> contemplada na noção <strong>de</strong><br />

hipossuficiência, à luz <strong>do</strong> art. 4º da Lei <strong>de</strong> Introdução. Também caracteriza hipossuficiência a situação jurídica que impe<strong>de</strong> o<br />

consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> obter a prova que se tornaria indispensável para responsabilizar o fornece<strong>do</strong>r pelo dano verifica<strong>do</strong> (hipossuficiência<br />

técnica). Explica-se. Muitas vezes o consumi<strong>do</strong>r não tem como <strong>de</strong>monstrar o nexo <strong>de</strong> caus<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> para a fixação da<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r, já que este é quem possui a integr<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> das informações e o conhecimento técnico <strong>do</strong> produto ou<br />

serviço <strong>de</strong>feituoso”.17<br />

Desse mo<strong>do</strong>, o conceito <strong>de</strong> hipossuficiência vai <strong>al</strong>ém <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> liter<strong>al</strong> das expressões pobre ou sem recursos, aplicáveis nos<br />

casos <strong>de</strong> concessão <strong>do</strong>s benefícios da justiça gratuita, no campo processu<strong>al</strong>. O conceito <strong>de</strong> hipossuficiência consumerista é mais<br />

amplo, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser aprecia<strong>do</strong> pelo aplica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> direito caso a caso, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> reconhecer a disparida<strong>de</strong> técnica ou<br />

informacion<strong>al</strong>, diante <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecimento, conforme reconhece a melhor <strong>do</strong>utrina e jurisprudência. 18 Pelos<br />

inúmeros julga<strong>do</strong>s, vejamos <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Superior Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça, em que a questão é <strong>de</strong>batida para a <strong>de</strong>vida inversão <strong>do</strong> ônus<br />

da prova:<br />

“<strong>Direito</strong> Processu<strong>al</strong> Civil. Recurso especi<strong>al</strong>. Ação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por danos morais e materiais. Ocorrência <strong>de</strong> saques in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

numerário <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> em conta poupança. Inversão <strong>do</strong> ônus da prova. Art. 6º, VIII, <strong>do</strong> CDC. Possibilida<strong>de</strong>. Hipossuficiência técnica<br />

reconhecida. O art. 6º, VIII, <strong>do</strong> CDC, com vistas a garantir o pleno exercício <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, estabelece que a<br />

inversão <strong>do</strong> ônus da prova será <strong>de</strong>ferida quan<strong>do</strong> a <strong>al</strong>egação por ele apresentada seja verossímil, ou quan<strong>do</strong> constatada a sua<br />

hipossuficiência. Na hipótese, reconhecida a hipossuficiência técnica <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, em ação que versa sobre a re<strong>al</strong>ização <strong>de</strong><br />

saques não autoriza<strong>do</strong>s em contas bancárias, mostra-se imperiosa a inversão <strong>do</strong> ônus probatório. Diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permitir<br />

ao recorri<strong>do</strong> a produção <strong>de</strong> eventuais provas capazes <strong>de</strong> ilidir a pr<strong>et</strong>ensão in<strong>de</strong>nizatória <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>verão ser rem<strong>et</strong>i<strong>do</strong>s os<br />

autos à instância inici<strong>al</strong>, a fim <strong>de</strong> que oportunamente seja prolatada uma nova sentença. Recurso especi<strong>al</strong> provi<strong>do</strong> para d<strong>et</strong>erminar a<br />

inversão <strong>do</strong> ônus da prova na espécie” (STJ – REsp 915.599/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 21.08.2008 –

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!