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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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empresas. Tais <strong>do</strong>cumentos da BAT e Brown & Williamson reconhecem que o tabagismo é causa d<strong>et</strong>erminante <strong>de</strong> uma varieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>do</strong>enças – e por isso mesmo, durante vários anos, os empresários investiram em pesquisas para i<strong>de</strong>ntificar e remover toxinas<br />

específicas encontradas na fumaça <strong>de</strong> cigarros”.87<br />

Não se olvi<strong>de</strong> que as <strong>de</strong>núncias relativas aos <strong>do</strong>cumentos da Brown & Williamson estão relatadas no filme <strong>de</strong> Michael Mann,<br />

O Informante (1999). É interessante pontuar que muitos julga<strong>do</strong>res utilizam a existência <strong>de</strong> tais <strong>do</strong>cumentos como argumento para<br />

as <strong>de</strong>cisões, apesar <strong>de</strong> os cultua<strong>do</strong>res <strong>do</strong> cigarro ignorarem ou negarem a existência <strong>de</strong>sses estu<strong>do</strong>s.<br />

Para <strong>de</strong>monstrar a magnitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse grave engano humano, Sérgio Boeira faz profunda análise <strong>do</strong>s efeitos biomédicos e<br />

epi<strong>de</strong>miológicos <strong>do</strong> consumo <strong>do</strong> cigarro, o que não <strong>de</strong>ixa qu<strong>al</strong>quer dúvida a respeito <strong>do</strong>s m<strong>al</strong>es <strong>do</strong> produto, diante das inúmeras<br />

fontes interdisciplinares pesquisadas. 88 Assim, a partir das conclusões divulgadas pela Organização Mundi<strong>al</strong> da Saú<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>nciase<br />

que o cigarro constitui um fator <strong>de</strong> risco <strong>de</strong> danos à saú<strong>de</strong>. 89 O entendimento das entida<strong>de</strong>s médicas é no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que não<br />

existe consumo regular <strong>de</strong> tabaco isento <strong>de</strong> risco à saú<strong>de</strong>. 90 Os estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong>monstram que há 4.720 substâncias tóxicas na<br />

composição <strong>do</strong> cigarro, sen<strong>do</strong> 70 <strong>de</strong>las causa<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> câncer. E mais, a respeito <strong>de</strong>ssa <strong>do</strong>ença: “A participação <strong>do</strong> tabagismo como<br />

fator <strong>de</strong> risco é bastante elevada, em <strong>al</strong>guns casos, inclusive tornan<strong>do</strong> ineficaz a quase tot<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s tratamentos médicos que<br />

excluam a superação <strong>do</strong> vício”.91<br />

Há duas tabelas bem interessantes apresentadas por Sérgio Boeira em sua obra. A primeira <strong>de</strong>monstra os tipos <strong>de</strong> câncer mais<br />

comuns e o percentu<strong>al</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>entes que são fumantes. Vejamos: câncer <strong>de</strong> pulmão, 80% a 90% são fumantes; câncer nos lábios,<br />

90%; na bochecha, 87%; na língua, 95%; no estômago, 80%; nos rins, 90%; no tubo digestivo (da boca ao ânus), 80%. A segunda<br />

tabela expõe os principais tipos <strong>de</strong> câncer no mun<strong>do</strong>, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se em negrito aqueles que têm relação com o tabagismo, a saber:<br />

1º) câncer <strong>de</strong> pulmão; 2º) câncer <strong>de</strong> estômago; 3º) intestino; 4º) fíga<strong>do</strong>; 5º) mama; 6º) esôfago; 7º) boca; 8º) colo <strong>do</strong> útero; 9º)<br />

próstata; 10º) bexiga. 92<br />

A tabela comparativa exposta tem condições técnicas <strong>de</strong> afastar a tese da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prova <strong>do</strong> nexo <strong>de</strong> caus<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> nas<br />

ações <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil fundadas no câncer <strong>de</strong>corrente <strong>do</strong> tabagismo, conforme prega parte consi<strong>de</strong>rável da <strong>do</strong>utrina e da<br />

jurisprudência, e cujos argumentos serão <strong>de</strong>vidamente rebati<strong>do</strong>s. Nos casos <strong>do</strong>s m<strong>al</strong>es <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s, não há dúvida <strong>de</strong> que é possível<br />

estabelecer uma relação <strong>de</strong> causa e efeito entre a colocação <strong>de</strong> um produto tão arrisca<strong>do</strong> no merca<strong>do</strong> – no caso, o cigarro – e os<br />

danos causa<strong>do</strong>s aos seus consumi<strong>do</strong>res.<br />

Como forte e contun<strong>de</strong>nte tática ao consumo utilizada pelas empresas <strong>de</strong> tabaco, <strong>de</strong>staca-se sobremaneira o papel que a<br />

publicida<strong>de</strong> e os meios <strong>de</strong> mark<strong>et</strong>ing sempre exerceram para seduzir ao uso <strong>do</strong> produto, levan<strong>do</strong> as pessoas à experimentação e,<br />

consequentemente, ao vício. Para a <strong>de</strong>vida pesquisa, este autor compareceu à exposição Propagandas <strong>de</strong> cigarro – como a<br />

indústria <strong>do</strong> fumo enganou você, com mostra <strong>de</strong> cartazes e ví<strong>de</strong>os relativos à publicida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cigarro nos séculos XIX e XX. A<br />

exposição foi re<strong>al</strong>izada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, na Livraria Cultura <strong>do</strong> Conjunto Nacion<strong>al</strong>, entre os dias 15 e 26 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />

2009. Entre as diversas peças das campanhas publicitárias da época, <strong>de</strong> início, cumpre <strong>de</strong>stacar aquelas que têm relações com os<br />

temas familiares e a criança. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> chocar o cartaz em que aparece um bebê <strong>de</strong> colo dizen<strong>do</strong> à mãe: “Nossa, mamãe, você<br />

certamente aprecia o seu Marlboro!”. 93 Na mostra, foram expostas também peças <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> em que crianças distribuem caixas<br />

<strong>de</strong> maços <strong>de</strong> cigarro aos pais. Ainda no que concerne a temas da família, produtos como o Lucky Strike, o P<strong>al</strong>l M<strong>al</strong>l e o Murad<br />

associavam as suas marcas à figura <strong>do</strong> Papai Noel, que aparecia fuman<strong>do</strong> em suas campanhas <strong>de</strong> vendas.<br />

Todas as campanhas publicitárias foram veiculadas em momentos históricos em que ainda não estavam amplamente<br />

difundi<strong>do</strong>s os terríveis m<strong>al</strong>es <strong>do</strong> cigarro. E as empresas <strong>de</strong> tabaco aproveitaram-se muito bem <strong>de</strong>sse fato, introduzin<strong>do</strong> o ato <strong>de</strong><br />

fumar no DNA soci<strong>al</strong> <strong>de</strong> <strong>al</strong>gumas gerações. Atu<strong>al</strong>mente, tais campanhas contrastam com a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> propagação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias<br />

antitabagistas, que constam <strong>do</strong>s maços, o que inclui o Brasil. Na contemporaneida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>m ser notadas nos maços fotos e<br />

imagens <strong>de</strong> <strong>do</strong>entes terminais <strong>de</strong> câncer, <strong>de</strong> f<strong>et</strong>os mortos, <strong>de</strong> pessoas com membros amputa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> mulheres com peles<br />

envelhecidas, <strong>de</strong> homens inconforma<strong>do</strong>s com a impotência sexu<strong>al</strong>, entre outros – tu<strong>do</strong> em relação caus<strong>al</strong> com o hábito <strong>de</strong> fumar. O<br />

Ministério da Saú<strong>de</strong> brasileiro há tempos adverte sobre os m<strong>al</strong>es <strong>do</strong> cigarro, conforme orientação <strong>do</strong> art. 220, § 4º, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>r<strong>al</strong> <strong>de</strong> 1988.<br />

Deve ficar claro que não há qu<strong>al</strong>quer dúvida quanto à incidência <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r ao cigarro, ti<strong>do</strong><br />

tipicamente como um produto coloca<strong>do</strong> no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo, nos termos <strong>do</strong>s arts. 2º e 3º da Lei 8.078/1990.<br />

No âmbito jurispru<strong>de</strong>nci<strong>al</strong>, as <strong>de</strong>cisões a respeito <strong>do</strong> tema no Brasil começaram a surgir na última década <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>,<br />

notadamente em ações propostas pelos próprios fumantes ou por seus familiares, em casos <strong>de</strong> morte. Esses julga<strong>do</strong>s anteriores – e<br />

que ainda pre<strong>do</strong>minam – são no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se excluir a responsabilida<strong>de</strong> civil das empresas <strong>de</strong> cigarros pelos m<strong>al</strong>es causa<strong>do</strong>s aos<br />

fumantes, por meio <strong>de</strong> vários argumentos. Para ilustrar, <strong>do</strong> Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 1999, ao aplicar a<br />

prescrição quinquen<strong>al</strong> <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, bem como a culpa exclusiva da vítima, a afastar o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar da<br />

empresa tabagista:

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