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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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O último elemento indispensável ao direito col<strong>et</strong>ivo é a existência <strong>de</strong> uma relação jurídica base. Conforme bem ensina<strong>do</strong> pela<br />

<strong>do</strong>utrina, “essa relação jurídica base é a preexistente à lesão, ou ameaça <strong>de</strong> lesão <strong>do</strong> interesse ou direito <strong>do</strong> grupo, categoria ou<br />

classe <strong>de</strong> pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou ameaça <strong>de</strong> lesão” 40 . Significa que o direito col<strong>et</strong>ivo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma relação jurídica que reúna os sujeitos em um grupo, classe ou categoria antes <strong>de</strong> qu<strong>al</strong>quer violação ou ameaça <strong>de</strong> violação a<br />

um direito indivisível <strong>de</strong>ssa comunida<strong>de</strong>.<br />

A forma mais simples <strong>de</strong> se visu<strong>al</strong>izar a diferença entre essas duas relações jurídicas <strong>de</strong> direito materi<strong>al</strong> é imaginan<strong>do</strong> que,<br />

solucionada a crise jurídica envolven<strong>do</strong> o grupo, classe ou categoria <strong>de</strong> pessoas, essa unida<strong>de</strong> entre elas continuará a existir, porque<br />

a relação jurídica base existente entre elas não se confun<strong>de</strong> com aquela relação jurídica resolvida em juízo. Consumi<strong>do</strong>res que<br />

tenham adquiri<strong>do</strong> um mesmo carro e tenham direito a um rec<strong>al</strong>l não re<strong>al</strong>iza<strong>do</strong> pela monta<strong>do</strong>ra estarão reuni<strong>do</strong>s numa relação<br />

jurídica base, que preexiste e sobreviverá à solução da relação jurídica conflituosa gerada pelo problema <strong>de</strong>riva<strong>do</strong> da produção <strong>do</strong><br />

veículo e à resistência da monta<strong>do</strong>ra em resolvê-lo espontaneamente.<br />

A relação jurídica base da qu<strong>al</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a existência <strong>do</strong> direito col<strong>et</strong>ivo po<strong>de</strong> se dar <strong>de</strong> duas formas distintas: entre os próprios<br />

sujeitos que compõem o grupo, classe ou categoria, ou <strong>de</strong>sses sujeitos com um sujeito comum que viole ou ameace <strong>de</strong> violação o<br />

direito da comunida<strong>de</strong>. Nas p<strong>al</strong>avras da melhor <strong>do</strong>utrina, “cabe s<strong>al</strong>ientar que essa relação jurídica base po<strong>de</strong> dar-se entre os<br />

membros <strong>do</strong> grupo affectio soci<strong>et</strong>atis ou pela sua ligação com a ‘parte contrária’. No primeiro caso temos os advoga<strong>do</strong>s inscritos na<br />

Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil (ou qu<strong>al</strong>quer associação <strong>de</strong> profissionais); no segun<strong>do</strong>, os contribuintes <strong>de</strong> d<strong>et</strong>ermina<strong>do</strong> imposto.<br />

Os primeiros liga<strong>do</strong>s ao órgão <strong>de</strong> classe, configuran<strong>do</strong>-se como ‘classe <strong>de</strong> pessoas’ (advoga<strong>do</strong>s); os segun<strong>do</strong>s liga<strong>do</strong>s ao ente<br />

estat<strong>al</strong> responsável pela tributação, configuran<strong>do</strong>-se como ‘grupo <strong>de</strong> pessoas’ (contribuintes)”41.<br />

É natur<strong>al</strong> imaginar ser o direito col<strong>et</strong>ivo mais coeso que o direito difuso, porque existe uma relação jurídica base que torna<br />

d<strong>et</strong>ermináveis os sujeitos beneficia<strong>do</strong>s por sua tutela. A coesão <strong>de</strong>sse direito, entr<strong>et</strong>anto, não significa uma necessária organização,<br />

como bem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> por Kazuo Watanabe:<br />

“Tampouco foi consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> traço <strong>de</strong>cisivo <strong>do</strong>s interesses ou direitos col<strong>et</strong>ivos o fato <strong>de</strong> sua organização, que certamente existirá<br />

apenas na primeira mod<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> mencionada no texto leg<strong>al</strong>, qu<strong>al</strong> seja, os interesses e direitos pertencentes a grupo, categoria ou<br />

classe <strong>de</strong> pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica base, e não na segunda mod<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>, que diz com os interesses ou direitos<br />

respeitantes a grupo, categoria ou classe <strong>de</strong> pessoas ligadas com a parte contrária por uma relação jurídica base. Mesmo sem<br />

organização, os interesses ou direitos col<strong>et</strong>ivos, pelo fato <strong>de</strong> serem <strong>de</strong> natureza indivisível, apresentam i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> t<strong>al</strong> que,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua harmonização form<strong>al</strong> ou am<strong>al</strong>gamação pela reunião <strong>de</strong> seus titulares em torno <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong><br />

representativa, passam a formar uma só unida<strong>de</strong>, tornan<strong>do</strong>-se perfeitamente viável, e mesmo <strong>de</strong>sejável, a sua proteção jurisdicion<strong>al</strong><br />

em forma molecular”42.<br />

São varia<strong>do</strong>s os exemplos <strong>de</strong> direito col<strong>et</strong>ivo consumerista. Quan<strong>do</strong> se an<strong>al</strong>isa a relação jurídica base <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> uma<br />

vinculação entre os membros <strong>do</strong> grupo, classe ou categoria, po<strong>de</strong> se imaginar os associa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma associação <strong>de</strong> proteção aos<br />

direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. An<strong>al</strong>isada a relação jurídica base com relação “à parte contrária”, um bom exemplo é o grupo <strong>de</strong> <strong>al</strong>unos <strong>de</strong><br />

uma escola quan<strong>do</strong> discutem a reformulação da gra<strong>de</strong> curricular.<br />

11.2.5. <strong>Direito</strong>s individuais homogêneos<br />

O art. 81, parágrafo único, III, <strong>do</strong> CDC, foi bastante sucinto no conceito <strong>de</strong> direitos individuais homogêneos, preven<strong>do</strong> apenas<br />

como exigência que <strong>de</strong>corram <strong>de</strong> uma origem comum. A singeleza <strong>do</strong> dispositivo, entr<strong>et</strong>anto, limita-se ao aspecto liter<strong>al</strong>, haven<strong>do</strong><br />

sérias divergências a respeito <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong>.<br />

Diante <strong>do</strong> conceito leg<strong>al</strong>, é imprescindível que se d<strong>et</strong>ermine o <strong>al</strong>cance da expressão “origem comum”. Para Kazuo Watanabe,<br />

“a origem comum po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> fato ou <strong>de</strong> direito, e a expressão não significa, necessariamente, uma unida<strong>de</strong> factu<strong>al</strong> e tempor<strong>al</strong>. As<br />

vítimas <strong>de</strong> uma publicida<strong>de</strong> enganosa veiculada por vários órgãos <strong>de</strong> imprensa e em rep<strong>et</strong>i<strong>do</strong>s dias <strong>de</strong> um produto nocivo à saú<strong>de</strong><br />

adquiri<strong>do</strong> por vários consumi<strong>do</strong>res num largo espaço <strong>de</strong> tempo e em várias regiões têm, como causa <strong>de</strong> seus danos, fatos <strong>de</strong> uma<br />

homogeneida<strong>de</strong> t<strong>al</strong> que os tornam a ‘origem comum’ <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s eles.”43<br />

Pensan<strong>do</strong> em termos processuais, a origem comum <strong>de</strong>corre <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is elementos que compõe a causa <strong>de</strong> pedir: fato e<br />

fundamento jurídico. Haven<strong>do</strong> um dano a grupo <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res em razão <strong>de</strong> um mesmo fato, ou ainda <strong>de</strong> fatos assemelha<strong>do</strong>s,<br />

po<strong>de</strong>-se afirmar que os direitos individuais <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les ao ressarcimento por seus danos são <strong>de</strong> origem comum. Da mesma<br />

forma, sen<strong>do</strong> possível que, mesmo diante <strong>de</strong> fatos distintos, um grupo <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res possa postular por um direito com base<br />

num mesmo fundamento jurídico, também se po<strong>de</strong>rá afirmar que seus direitos individuais <strong>de</strong>correm <strong>de</strong> uma origem comum.<br />

Essa origem comum, entr<strong>et</strong>anto, parece não ser o suficiente para que se tenha um direito individu<strong>al</strong> homogêneo. Apesar <strong>de</strong> ser<br />

o único requisito previsto pelo dispositivo leg<strong>al</strong> ora an<strong>al</strong>isa<strong>do</strong>, para que a reunião <strong>de</strong> direitos individuais resulte em um direito<br />

individu<strong>al</strong> homogêneo é necessário que exista entre eles uma homogeneida<strong>de</strong>, não sen<strong>do</strong> suficiente apenas a origem comum. A

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