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3 - TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual (2017)

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Jurisprudência em Teses (Edição n. 39) preven<strong>do</strong> que “não é abusiva a cláusula <strong>de</strong> cobrança <strong>de</strong> juros compensatórios inci<strong>de</strong>ntes em<br />

perío<strong>do</strong> anterior à entrega das chaves nos contratos <strong>de</strong> compromisso <strong>de</strong> compra e venda <strong>de</strong> imóveis em construção sob o regime <strong>de</strong><br />

incorporação imobiliária”.<br />

Por outra via e como outro exemplo, acertadamente, a Segunda Turma <strong>do</strong> STJ concluiu, em s<strong>et</strong>embro <strong>de</strong> 2015, que é prática<br />

abusiva dar <strong>de</strong>sconto para pagamento em dinheiro ou cheque e cobrar preço diferencia<strong>do</strong> para pagamento com cartão <strong>de</strong> crédito,<br />

pelo mesmo produto ou serviço. De acor<strong>do</strong> com o relator da <strong>de</strong>cisão, Ministro Humberto Martins, o estabelecimento empresari<strong>al</strong><br />

tem a garantia <strong>do</strong> pagamento ef<strong>et</strong>ua<strong>do</strong> pelo consumi<strong>do</strong>r com o cartão <strong>de</strong> crédito, pois a administra<strong>do</strong>ra assume inteiramente a<br />

responsabilida<strong>de</strong> pelos riscos da venda. Uma vez autorizada a transação, o consumi<strong>do</strong>r recebe quitação <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter<br />

qu<strong>al</strong>quer obrigação perante ele. Por t<strong>al</strong> razão, a compra com cartão é consi<strong>de</strong>rada mod<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento à vista, constituin<strong>do</strong><br />

prática abusiva a cobrança <strong>de</strong> preço diferencia<strong>do</strong> (STJ, REsp 1.479.039/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j.<br />

06.10.2015, DJe 16.10.2015).<br />

Essa posição foi reafirmada pela Tribun<strong>al</strong> da Cidadania em outro aresto, <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2016, segun<strong>do</strong> o qu<strong>al</strong> “a diferenciação <strong>de</strong><br />

preço na merca<strong>do</strong>ria ou serviço para diferentes formas <strong>de</strong> pagamento à vista: dinheiro, cheque ou cartão <strong>de</strong> crédito caracteriza<br />

prática abusiva no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo, nociva ao equilíbrio contratu<strong>al</strong> e ofen<strong>de</strong> o art. 39, V e X da Lei 8.078/90. Manutenção das<br />

autuações administrativas re<strong>al</strong>izadas pelo PROCON Municip<strong>al</strong> <strong>de</strong> Vitória/ES em face da referida prática abusiva <strong>do</strong> comerciante<br />

Recorrente em seu estabelecimento. 3. Prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> outras Turmas <strong>de</strong>ste Tribun<strong>al</strong> Superior (REsp 1.479.039/MG, Rel. Min.<br />

Humberto Martins, DJe 16.10.2015 e REsp 1.133.410/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 7.4.2010)” (STJ, REsp 1.610.813/ES,<br />

Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 18.08.2016, DJe 26.08.2016).<br />

Entr<strong>et</strong>anto, no fin<strong>al</strong> <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2016, o Governo Fe<strong>de</strong>r<strong>al</strong> editou a Medida Provisória n. 764, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, que autoriza a<br />

cobrança <strong>de</strong> preços diferencia<strong>do</strong>s, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da forma <strong>de</strong> pagamento (dinheiro, cheque ou cartão). Conforme o seu art. 1º, “fica<br />

autorizada a diferenciação <strong>de</strong> preços <strong>de</strong> bens e serviços ofereci<strong>do</strong>s ao público, em função <strong>do</strong> prazo ou <strong>do</strong> instrumento <strong>de</strong> pagamento<br />

utiliza<strong>do</strong>. Parágrafo único. É nula a cláusula contratu<strong>al</strong>, estabelecida no âmbito <strong>de</strong> arranjos <strong>de</strong> pagamento ou <strong>de</strong> outros acor<strong>do</strong>s para<br />

prestação <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> pagamento, que proíba ou restrinja a diferenciação <strong>de</strong> preços facultada no caput”.<br />

Na opinião <strong>de</strong>ste autor, a citada regra é ileg<strong>al</strong>, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> prosperar. De início, o seu conteú<strong>do</strong> não po<strong>de</strong>ria ser obj<strong>et</strong>o <strong>de</strong><br />

medida provisória, mas apenas <strong>de</strong> lei, <strong>de</strong>vidamente <strong>de</strong>batida no Congresso Nacion<strong>al</strong>.<br />

Em complemento, estamos tot<strong>al</strong>mente <strong>al</strong>inha<strong>do</strong>s aos argumentos constantes <strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s menciona<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> a cobrança <strong>de</strong><br />

preços diferencia<strong>do</strong>s um <strong>do</strong>s exemplos atuais <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> inciso V <strong>do</strong> art. 39 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, que elenca<br />

como prática abusiva a exigência <strong>de</strong> vantagem manifestamente excessiva <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Po<strong>de</strong>riam os comerciantes transferir os<br />

v<strong>al</strong>ores relativos às taxas <strong>de</strong> administração <strong>do</strong> cartão <strong>de</strong> crédito para os consumi<strong>do</strong>res? Pensamos que não, estan<strong>do</strong> aqui a vantagem<br />

manifestamente excessiva, a configurar a ileg<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> da Medida Provisória.<br />

Essa ileg<strong>al</strong>ida<strong>de</strong>, em clara lesão aos direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, torna também sem senti<strong>do</strong> jurídico o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> parágrafo único<br />

<strong>do</strong> art. 1º da MP que estabelece a nulida<strong>de</strong> absoluta da cláusula contratu<strong>al</strong> que proíba ou restrinja a citada diferenciação <strong>de</strong> preços.<br />

Ora, cláusula abusiva haverá se existir previsão contratu<strong>al</strong> <strong>de</strong>ssa diferenciação, o que tem enquadramento no art. 51 <strong>do</strong> CDC, na<br />

linha <strong>do</strong> que reconhece o primeiro aresto aponta<strong>do</strong>. Conforme <strong>de</strong>stacou o Ministro Humberto Martins em seu voto, “o art. 51 <strong>do</strong><br />

Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r traz rol meramente exemplificativo <strong>de</strong> cláusulas abusivas, num conceito aberto que permite o<br />

enquadramento <strong>de</strong> outras abusivida<strong>de</strong>s que atentem contra o equilíbrio entre as partes no contrato <strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a preservar<br />

a boa-fé e a proteção <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Como bem reconheceu o Tribun<strong>al</strong> <strong>de</strong> origem, o lojista que, para mesmo produto ou serviço,<br />

oferece <strong>de</strong>sconto ao consumi<strong>do</strong>r que paga em dinheiro ou cheque em d<strong>et</strong>rimento daquele que paga em cartão <strong>de</strong> crédito estabelece<br />

cláusula abusiva apta a transferir os riscos da ativida<strong>de</strong> ao adquirente, lembran<strong>do</strong>-se que t<strong>al</strong> abusivida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da má-fé <strong>do</strong><br />

fornece<strong>do</strong>r” (STJ, REsp 1479039/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 06.10.2015, DJe 16.10.2015).<br />

Também é forte o argumento jurídico da existência <strong>de</strong> discriminação <strong>do</strong>s adquirentes, o que é veda<strong>do</strong> expressamente pela Lei<br />

12.529/2011. O seu art. 36 elenca atos que constituem infração da or<strong>de</strong>m econômica, geran<strong>do</strong> responsabilização in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> culpa. Entre essas condutas, está previsto no § 3º, l<strong>et</strong>ra d, inciso X, <strong>do</strong> coman<strong>do</strong>: “discriminar adquirentes ou fornece<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

bens ou serviços por meio da fixação diferenciada <strong>de</strong> preços, ou <strong>de</strong> condições operacionais <strong>de</strong> venda ou prestação <strong>de</strong> serviços”.<br />

Para que a an<strong>al</strong>isada Medida Provisória tivesse aplicação no Brasil, seria necessário revogar este último diploma, o que não<br />

ocorreu. E não se olvi<strong>de</strong>, em complemento, <strong>de</strong> que a igu<strong>al</strong>da<strong>de</strong> entre os consumi<strong>do</strong>res é um <strong>do</strong>s seus direitos básicos, expresso no<br />

inciso II <strong>do</strong> art. 6º <strong>do</strong> CDC, também atingi<strong>do</strong> pela m<strong>al</strong>fadada MP 764.<br />

A<strong>de</strong>mais, será que, com a norma, os preços com pagamento em dinheiro vão diminuir ou os preços com pagamento via cartão<br />

<strong>de</strong> crédito irão aumentar? Acredito mais no segun<strong>do</strong> caminho, infelizmente, pela nossa re<strong>al</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>. Diante <strong>de</strong>sses<br />

argumentos, esperamos que o Congresso Nacion<strong>al</strong> não converta a criticada Medida Provisória em lei.

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